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::: Pedro Ivo Resende :::

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Post by wodouvhaox Fri Dec 11, 2009 3:17 pm

Verme de ouvido

por Pedro Ivo Resende

Era um jingle que não saía da minha cabeça: "Bijouteeerias do chapéeeeeeu". Ecoava na minha mente, onipresente, se intrometendo nos meus pensamentos. Em pouco tempo estava em qualquer lugar. Surgia da boca do William Bonner no Jornal Nacional.

- Os palestinos atiraram pedras contra os israelenses, que responderam com bijouteeeria do chapeeéeeu.

Vinha de manhã no rádio, pela voz do João Bosco.

- Bi-bi-bi-bó-bó-bó, bijouuuterias dos chapéus do sonho da vida, papel machê, um brinquedo.

Estava perdendo minha sanidade por conta deste jingle maldito. Não conseguia fazê-lo parar. Nem quando cortei meu pulso com uma faca de cozinha e escrevi no espelho do banheiro, com sangue: "Bijuterias do chapéu, me libertem". Tentei sair, me divertir. Entrei num teatro e fui assistir a um show de mágica. Tudo ia bem, estava me divertindo e o jingle havia parado. Na verdade, tudo ia ótimo, até que o merda do mágico tirou um bando de bijuterias de dentro de um chapéu. Foi o fim. Decidi largar tudo, cursar uma faculdade, arranjar um emprego de executivo e me casar com uma bela mulher. Maldito chapéu.
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Post by wodouvhaox Fri Dec 11, 2009 3:21 pm

O funk do golfe

por Pedro Ivo Resende

Subi a Rocinha no meu carrinho elétrico. Além de uma bolsa de tacos, carregava comigo o intuito filantrópico de ensinar crianças carentes da favela a jogar golfe. Assim que cheguei lá, um sujeito me abordou:

- O que faz por aqui?
- Vim transformar a vida das crianças carentes.
- Me leva contigo então.
- Veja bem, eu acho que não vai dar. Você já não é mais criança.
- Mas sou carente.

Senti uma pena mortal do camarada e o acomodei no banco da frente. Pedi para ele dar um nome de mulher à bolsa de tacos e abraçá-la. O sujeito me fitou com um olhar de medo e a gente não tocou mais nesse assunto.

Passamos a nos ocupar em procurar menores abandonados. Subimos e descemos ladeiras, dobramos esquinas. Comprei duas latas de cola de sapateiro, pus em frente a um fliperama e fiquei esperando uns quarenta minutos. Nada de criança carente. Até que tive um estalo: elas só poderiam estar no colégio. Voltei pro meu carrinho de golfe e dirigi até a escola pública mais próxima. Pulei o muro, junto com meu novo amigo, e invadi uma sala de aula. A professora estava no meio de um problema matemático quando eu entrei gritando na sala:

- Quem quer aprender a jogar golfe!?

A turma toda foi tomada pelo silêncio. Após alguns instantes, um garotinho levantou timidamente o braço no fundo da sala.

- Ei, garoto. É, você mesmo, com o braço levantado. Não vai dar, viu?
- Por que, tio?
- Porque, bem... Deixa eu te explicar uma coisa: crianças em cadeira de rodas não jogam golfe. Fica pra próxima, campeão.

O guri abaixou a cabeça e chorou. Anos depois ele se tornou um cineasta de sucesso, foi premiado em Gramado e me mandou tomar no cu na entrega do Kikito. Minha mãe tem isso gravado em VHS. Mas voltemos à sala de aula. O garoto estava chorando, blá blá blá, e eu aproveitei a deixa para conversar com outro amiguinho.

- Qual o seu nome, garoto?
- Lucas.
- Tá. Me conta uma coisa, Lucas: você gosta de matemática?
- Sim.
- Conhece algum matemático que tenha namorado uma modelo famosa?
- Não.
- Me conta uma coisa, Lucas: você gosta de matemática?
- Não.

Os pirralhos se entreolharam e começaram a ficar inquietos, perturbados. Um menino investiu a lixeira contra a janela, estilhaçando o vidro. O guri da cadeira de rodas ateou fogo numa carteira e saiu, à toda velocidade, pelo corredor. Uma garotinha enfiou o dedo na garganta e vomitou no canto da sala. Era uma cena assustadora. Tive medo e fui conversar com o Lucas.

- Tá vendo? Isso tudo é culpa sua, garoto.
- Não, tio. Eles sempre fazem isso antes do recreio.
- Ah, tudo bem...

Olhei para trás e percebi que a professora desaparecera, deixando escrito no quadro negro uma equação: "Golfe x T + P + M = Quero que vocês todos morram". Apaguei aquilo e escrevi o telefone lá de casa. Quem sabe dia desses ela não me liga? Mas tudo bem, a criançada já estava descendo pro recreio e a gente podia finalmente ir embora.

A turma estava toda reunida no pátio. Mesmo assim eu sentia que faltava alguma coisa. Parei, sentei num banco e fiquei ali pensando, matutando. Pensei pra cacete. Descobri como criar um mundo melhor a partir uma nova forma de energia limpa. Mas bosta, não era isso. Precisava saber o que estava faltando ali... Continuei pensando até que, eureca, me lembrei: a bolsa de golfe, a porra da bolsa de golfe! Deixei ela com o sujeito carente, que havia sumido. Larguei a petizada por lá mesmo e rodei a escola atrás dele. Encontrei-o numa aula de Estudos Sociais.

- Sujeito carente, vamos embora daqui! Tava te procurando feito um louco.
- E eu também, mas agora eu me encontrei. Vou começar uma nova vida, aprender uma profissão, ser alguém.
- Tá bom, tá bom. Só me passa aquela bolsa com os tacos, ok?
- Bolsa não. Ela tem nome: Maria Fernanda.

Peguei os tacos e voltei pro pátio. Os guris estavam dispersos, espalhados. Tentei chamá-los para jogar golfe, mas ninguém me deu muita atenção. Nisso eu me lembrei de um velho método piagetiano.

- Aê, cambada de saco-liso, quem quer comer no McDonald´s?

Em poucos segundos toda a garotada parou o que estava fazendo e compôs uma fila indiana, organizada por ordem alfabética. Atravessamos a rua e fomos para o McDonald´s mais próximo. Quando entramos na lanchonete, eu tirei do bolso um pacote de cream-cracker e distribuí para as crianças, que não entenderam o que estava se passando.

- Vamos lá, vocês não queriam comer aqui? Engole logo isso, caceta, a gente não tem o dia todo.

Entre choros e protestos, fomos para a favela. Subimos até um plano descampado, onde eu abri a bolsa com os tacos e já ia me preparando para ensinar as minhas primeiras lições. Só que esse garoto, esse bostinha, apareceu do nada e começou a andar em volta de mim, pulando e cantando.

- "Dança, dançá, a dança do golfiiii!"
- O que é isso? Um funk?
- "Dança, dançá, a dança do golfiiii!"
- Ei, ei, menino, para com essa porra. É golfê, caceta, com "ê" no final.
- "Tu vai tomá de ar-quinziii se não dançá, dançá, a dança do golfiii"
- Olha aí, moleque: se não parar com isso, eu jogo você na lagoa e te atropelo de pedalinho. Tô avisando.

E o que era apenas um garoto virou uma massa funkeira. Primeiro foi a pirralhada engrossando o coro, mas depois os próprios moradores começaram a aparecer para ver o que estava acontecendo. Alguns batiam palmas e balançavam a cabeça, mas quase todos eles dançavam a dança do golfi, dando voltas em torno de mim. Daí vieram os instrumentos, o cheiro de feijoada e um repórter da rádio comunitária. O céu escurecendo, eu ali com vontade de ir ao banheiro e sem poder sair daquela roda. A única coisa que podia fazer era me arrepender. Me arrepender de ter inventado esse pretexto babaca de ensinar golfe na favela. Porque da próxima vez em que eu precisar comprar maconha para dar de Natal pra vovó, eu subo o morro e vou direto à boca.
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Post by wodouvhaox Fri Dec 11, 2009 3:28 pm

Jussara, minha boneca inflável

por Pedro Ivo Resende

Encontrava-me na maior seca, sem saber o que era mulher há quase um ano. Já havia tentado as gordinhas, feias e paraplégicas. Aprendi a linguagem dos sinais para dar em cima das surdas e mudas, mas elas sempre me mostravam o dedo médio depois de alguns minutos de conversa. Fui ainda mordido por uma garota com Síndrome de Down e finalmente expulso do quarto de um hospital pela família dessa mulher em coma vegetativo. E logo quando eu já estava pensando em abdicar da minha sexualidade e começar a colecionar selos, ela apareceu. Era Jussara, a boneca inflável para adolescentes solitários que comprei nas Lojas Americanas. Trouxe-a pra casa, enchi um prato com presunto ressecado e disse que era carpaccio. Jussara não reclamou e isso marcou o início de uma linda história a dois.

Ah, como adorávamos ir à praia! A gente se abraçava, se besuntava de protetor solar e rolávamos na areia. Depois nos aventurávamos na água, onde eu usava Jussara como bóia, pegando jacarés em cima dela. Mas não era só isso. Compartilhávamos segredos, trocávamos olhares. Costumava grudar ela nas minhas costas com fita-crepe e passear pelas Paineiras, onde procurávamos esquilos furtivos por entre as árvores. E na medida em que os sentimentos foram se aprofundando, senti a necessidade de oficializar nossa relação apresentando-a aos meus pais. Organizei um pequeno jantar e os chamei à minha casa.

- Pai, mãe... Esta é a Jussara, minha cara-metade.
- Cara o quê? Como assim?
- Minha companheira, pai. Olha: Cumprimenta a minha família, Jussara.
- Peraí, você virou artista de teatro agora, é isso ? Vai mexer com fantoches?
- Não, pai, é que...
- Te paguei faculdade e você vai ficar aí fazendo teatrinho, seu puto!?
- Calma, Oswaldo! Eu entendo o nosso filho. Ele está... Amando.
- Como assim amando?
- Filho, eu te entendo mais do que você imagina. Eu e seu pai tivemos uma briga certa vez e acabei desaparecendo por três meses com o Fanelli. Só que o Fanelli era um pênis de plástico e eu o amava de coração.
- Meu Deus, Suzanna!
- E você precisava ver, filho... Pus uma gravata borboleta no Fanelli, fiz uma caminha de jornal para ele, tal qual uma manjedoura.
- Suzanna... Então esse tal de Fanelli era um vibrador?!
- Sim, Oswaldo.
- Mas você me dizia que o cara era um merchand europeu, que ele colecionava quadros impressionistas e carros-esporte.
- Não queria magoar você dizendo que tinha lhe trocado por um pênis de plástico.
- Sua louca do cacete!!
- Louca pelo cacete seria mais apropriado, amor.

Nessa hora decidi expulsar meus pais de casa. Não desejava que Jussara presenciasse essa cena constrangedora. Deixei-a na cama e fiquei na sala, inquieto, entornando uma garrafa de vodka. Quando voltei ao quarto, já bêbado, enchi a Jussara de porrada e me senti bem melhor. Isso acabou virando hábito. Não tinha sogra nem delegacia das mulheres para encher meu saco. Passei então a espancar a Jussara sem o menor motivo ou pretexto. E o melhor: eu podia descontar nela todas as minhas frustrações.

- Vagabunda!! Por sua culpa eu jamais vou ser um cowboy internacional, caralho! Comprei a bota com esporas, a roupa de couro, o chapéu, a porra toda. E você sabe o quanto é difícil arranjar um touro aqui em Copacabana, sabe, porra?! Eu tenho que pedir a bosta do São Bernardo da vizinha emprestado pra poder praticar, mas não é a mesma coisa. Daí eu ponho um CD country pra ver se cria um clima e fico lá tentando montar naquela bosta de cachorro peludo, caralho! E tudo isso me deixa na maior depressão. Você sabia disso, sua vadia, sabia?!

E a porrada comia solta. Só que depois eu me arrependia e, pra tentar agradá-la, fazia um pequeno brinquedo de origami pra Jussara. A gente se abraçava e alugava um filme romântico na locadora. Eu ligava do trabalho, no meio das reuniões, e deixava poemas na secretária eletrônica. Supreendia-a com flores, batia com a cabeça dela na parede, sussurava um poema no ouvido de Jussara pra depois derramar uma garrafa de água sanitária na sua cabeça. Era essa a minha doce rotina. Bem, era até essa fada escrota aparecer e transformar a Jussara numa mulher de verdade. Foi foda. Tentava bater nela, só que a mulher batia de volta e em geral me botava pra correr. Numa dessas eu decidi fugir de vez e deixei ela com o meu apartamento. Passei nas Lojas Americanas em busca de outra boneca inflável, só que a empresa tinha parado de fabricá-la. Parece que algum adolescente espinhento pensou que a boneca dele era de verdade e estava dando mole pro porteiro. Acabou se enforcando. Idiota. Mas bem, acabei andando um pouco pelo lugar e encontrei esse celular de brinquedo. Faz uns cinco barulhos diferentes e tem várias luzes que piscam. Passo horas com ele num quarto escuro, me divertindo horrores. E lógico, realmente tem vezes que minha sexualidade aflora e eu me sinto solitário. Mas, sabe, tem sempre o São Bernardo da vizinha pra quebrar um galho.
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Post by wodouvhaox Fri Dec 11, 2009 3:29 pm

De pai pra filho

por Pedro Ivo Resende

- Filhão, você já está ficando grande...
- É...
- E você sabe, quando os meninos chegam a uma certa idade, acontece aquilo...
- Aquilo o quê, pai?
- Você sabe... O pai leva o seu filho pra ter uma relação homossexual. Assim o garoto tem certeza do que quer na vida. Todos os pais fazem isso há gerações. E todo mundo sabe disso.
- Ninguém faz isso, pai.
- Faz não?
- Não.
- ...
- ...
- Mas e o Flamengo, filhão?
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