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Hermano Vianna

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Post by wodouvhaox Fri Feb 11, 2011 7:51 am


Antes de ser um intelectual, Hermano Vianna é um sorriso. Sempre um sorriso espreitando o rosto limpo de pêlos, que orna com a cabeça raspada, dando-lhe assim, sorriso e careca, um ar de monge chinês. Uma careca monástica que guarda um cérebro alérgico a idéias fixas e preconceitos, que preza a disciplina e o estudo. Monge que não se casa e não namora — por opção. Lê muito e medita muito sobre a beleza da dissolução coletiva do ego. Porém, enquanto seus hábitos o fazem monge, Hermano é refém da curiosidade que mantém sua alma mundana e planos nada humildes para um asceta.

Normalmente, quando citado na imprensa, seu nome vem precedido de “antropólogo”. Fato: ele é doutor em antropologia e lida, basicamente, com o ser humano na labuta. Mas o título não explica bem seu ofício, que só pode ser entendido com exemplos ou com a definição que ele mesmo oferece nesta entrevista: “Botar coisas e pessoas juntas e ver o que dá”.

Nasceu em João Pessoa em 1960, 2 de abril, também Dia do Propagandista. Assumindo a vocação da data, Her­mano começou cedo. De passagem pela rádio Fluminense, no Rio, aproveitou para largar na mão do DJ uma fita cassete da banda de seu irmão Herbert — os Paralamas do Sucesso. Dessas ele faz o tempo todo...

Forneceu a primeira bateria eletrônica do DJ Marlboro, o bumbo pancadão que refez a música carioca. Levou Regina Ca­sé no baile funk para fundar o Programa Legal e colocar a alegria periférica em horário nobre. Deu idéias, fontes e o livro que fez a cabeça do ministro Gilberto Gil e seus Pontos de Cultura. Pauta o Fantástico, o Canal Futura, a Folha de S.Paulo. Junta no mesmo discurso Gilberto Freyre e a Banda Calypso, Andy Warhol e popozudas, leva Malcom McLaren à festa do Paulinho da Viola, escala bandas para o Tim Festival. Correu o Brasil em um ônibus gravando e filmando música e festas para o histórico Música do Brasil. Escreveu dois livros, O Mistério do Samba, sobre a pouco pensada relação entre a intelectualidade brasi­leira do começo do século 20 e os sambistas primordiais, e o Mundo do Funk Carioca, primeira pesquisa abrangente sobre o ainda incipiente fenômeno dos bailes.

Hermano não é de se gabar — nem inteligente admite ser. Só culpa a curiosidade pelo talento de juntar pessoas em nome de uma causa maior: extirpar o bom gostismo, a pose e o complexo de vira-latas da cultura pop brasileira. E suas táticas, nada monásticas, são bem chinesas — sem meio-termo, o caminho é um pé em cada extremo. Entrou na internet em 1991, mas nun­ca teve celular. Dedica a vida às festas — mas nunca como an­fitrião; nem sequer gosta de dançar. Trabalha para a avassala­dora Rede Globo, porém ganhou o prêmio Golden Nica no prestigioso Prix Ars Electronica com o site que mapeia a cultura de todos os cantos do Brasil, o Overmundo, que criou e coordena.
Você pode não saber qual é a cara dele — até porque não é muito chegado em mostrá-la. No entanto, sua cabeça a­bar­rotada de informação está por trás de muita coisa que você vê, ouve, dança ou sabe. E por trás de muita coisa que ainda vai ver, ou­vir, dançar e saber. Então erguei-vos, ca­­­­r­os leitores, e queimai suas pulseirinhas VIP. Dai o play no CD pirata do Calypso, lembrai de Sex Pistols e Olodum. E saudemos todos juntos o sorriso beato de nosso guia, o grande Hermano, antes de ler suas palavras de desordem.

Qual a sua primeira lembrança da escola?
Minhas primeiras lembranças são Brasília em obras, e se confundem com sessões de slides em casa. E também das histórias que as pessoas contam sobre a infância. O Herbert, mesmo com esse problema que tem agora de memória, continua tendo uma memória melhor que a minha desse passado. Mas lembro que fui apaixonado pela minha professora, a Áurea — uma experiência de educação sentimental. Vi a professora saindo da escola e o namorado dela esperando. Deram um beijo, e eu caí desmaiado. Um ataque fulminante de ciúme no pré-primário em Brasília [gargalha].

E o que você lembra dessa infância em Brasília?
A gente vivia cercado de gente. Até praticamente 15 anos, já no Rio de Janeiro, todos os amigos eram filhos de militares, que tinham vida parecida com a nossa. Lembro de conhecer um amigo que tinha morado a vida inteira na mesma casa e estudado no mesmo colégio! Era um ET! Em Brasília meu pai foi piloto do presidente Geisel. A gente ia à Granja do Torto, me lembro de ver Figuei­redo, Hugo Abreu, Golbery num churrasco…

O fato de seu pai ser militar afetava sua vida?
A gente se mudava de dois em dois anos. E tinha essa questão de ter que refazer a vida, amigos e escola. Muitas vezes a mudança era no meio do ano. Tenho muito a agradecer à minha mãe: ela ia à es­cola, pegava os cadernos, copiava pra gente o que já tinham aprendido para a gente ter o mesmo caderno que as outras crianças. Estudei muito em escola pública. Lembro que na escola de Guaratinguetá, onde moramos, tinha uma professora, a dona Manuelina, que dava estrelinhas para os bons alunos todo dia.

E você tinha muitas estrelinhas com a dona Manuelina?
Tinha. Sempre fui bom aluno. Minha mãe deve ter as medalhas. Mas isso não tinha a ver com o estilo de vida CDF [risos]. Sempre convivi no fundo da sala. No cursinho, as turmas eram divididas pela nota da prova. Eu tinha nota pra estar na turma A, mas gostava da turma C, porque era um pessoal que gostava das mesmas bandas que eu ou que tinha uma formação contracultural mais parecida com as coisas que me interessavam no mundo.

E em casa a educação era rígida?
Não, tinha um encaminhamento de que deveríamos ser engenheiros ou médicos, profissões consideradas nobres e de futuro. Eu queria ser cientista, fiz três anos de engenharia química. Larguei para fazer ciências sociais, minha segunda opção no vestibular. Até descobrir e ter certeza de que era isso que queria e ter coragem de dizer aos meus pais que ia abandonar a faculdade de engenharia... O Her­bert fazia arquitetura e largou pra montar uma banda. Meu outro irmão fazia agronomia, largou para trabalhar com os Paralamas. Minha mãe se perguntou: “O que fiz de errado?”. Pra eles era difícil. São de famílias po­bres, que valorizavam a educação como forma de vencer... mas depois entenderam.

E o que “deu errado” nos três?
Não era uma família de intelectuais. Começou a degringolar quando eles deram de presente a coleção do Monteiro Lobato e a gente leu ainda criança. O Herbert chegou a ir à TV, num programa em Brasília, para responder sobre a obra de Monteiro Lobato.

E você estuda muito ainda?
Acho que a melhor coisa do mundo é aprender coisas novas.

E como você vê a escola hoje?
A tecnologia de transmissão de informação que a escola desenvolveu para ensinar conhecimentos básicos, que fazem falta se você não os tem, vai sempre existir. Não vejo perspectiva, mesmo a médio e longo prazo, de que se invente coisa mais eficiente que a escola. A gente vai conviver com esse método.

Mas os alunos não são outros?
Participo ativamente da educação dos filhos do Herbert, levar pra escola, estudar junto. Quando mudei para a casa dele, o Lucas tinha 9 anos e se inte­ressava por Pokémon. É um exercício de memória fabuloso de­corar todos os nomes, poderes, como escolher o seu time... Tem esse prazer de decorar essas coisas, mas nenhum de decorar milhares de coisas que ensinam na escola. É questão de interesse. Esses meninos se interessam por game, então vou procurar o que é que existe de games educativos. Mas é batata! Eles percebem muito fácil que o game é educativo. Se não é prazer e desperdício de tempo, o que aparentemente é o game de brincar, ficam desconfiados e largam rapidinho [risos].

Falta uma nova didática?
Urgente. E as escolas não acham que está tudo bem. Todos sabem que existe crise, uma procura de novas possibilidades, mas... as pessoas têm resistência enorme com games, por exemplo, é preciso não ter preconceito e tentar aproveitar isso, porque os garotos estão aprendendo milhares de coisas nesse mundo. As professoras estão na lista de contatos dos meus sobrinhos tanto no Orkut quanto no MSN, ali eles aprendem muito. Além disso, tem a relação deles com música. Nunca compraram um CD! Eles não vão na discoteca do Herbert ver o que é que tem: descobrem as mesmas coisas antigas na internet — Marley, Hendrix... Mas a troca de informação é entre eles: um dá a dica, o outro dá pro outro, vão criando a própria educação.

E o seu interesse por música, como começou?
Desde cedo. Meu pai tinha gravador de rolo, fitas com discos gravados. Também a Maria, nossa babá, que trazia jovem guarda, bolero... esse chacundum que hoje é do Chimbinha vem dessa fusão. A partir daí vi festivais de jazz, que eram televisionados... Hermeto tocando com Chick Corea e John McLaughlin, coisas de que a gente gostava já com 14 anos. Lembro do festival em que Walter Franco cantou “Cabeça”, sabe? Ou Jards Macalé comendo rosas. Esse tipo de coisa extrema que no Brasil era o mainstream da cultura popular. O tropicalismo nem se fala.

Você exalta as coisas que fazem sucesso, principalmente os populares. Sucesso é sinal de qualidade?
De forma alguma. Tantas porcarias fazem sucesso! Mas acho que fazer sucesso é revelador de alguma tendência, algum desejo... Mesmo as porcarias. O Gil dizia: “Porcaria também é cultura”. Tendo a comba­ter as hierarquizações que determinados grupos criam, coi­sas que passam a valer como verdade, preconceitos, exclusões, negando muita coisa que acontece. Como se houvesse um critério absoluto para definir o que é importante. Muita gente me diz: “Você gosta dessas coisas por interesse antropológico”. Não. Muitas vezes são interesses estéticos! Acho que o funk carioca, em termos de inovações, criou coisas mais interessantes do que a maior parte do hip hop brasileiro, considerado por muitos intelectuais como música de maior valor. Acho que não. Em grande parte do hip hop existe a repetição de um padrão já inventado, que pra mim deu o que tinha pra dar. Claro que, no Brasil, teve uma coisa importante de inclusão de temas da periferia no dialeto da MPB.

Mas o funk, hoje, também tá se padronizando.
Também. Mas acho que é muito novo... A invenção do Tamborzão, que virou mú­sica carioca com o sucesso do MC Leozinho, que botou ­aquele violãozinho no início. Me lembro do Lulu Santos escutando pela primeira vez na pista de dança. “ O que é que é isso?” Aí eu disse: “É seu filho. É seu pop”. Me lembro de como falaram mal do Lulu. Hoje tem uma consciência de que aquilo é pop de qualidade. Mas a crítica toda era destrutiva.

A crítica tem esse poder todo?
Às vezes acho que ela fala pras paredes, porque as pessoas continuam escutando funk, Calypso... E hoje muito mais do que antes. As músicas mais populares do Brasil não dependem da mídia, da indústria fonográfica, de nada disso.

A mídia de massa já foi mais elitista.
Sim, mas tem uma vergonha ainda. O Chimbinha do Calypso fala que a pirataria o ajuda, mas a imprensa prefere destacar a polêmica do que é brega ou não. Esse é o grande problema da cultura brasileira, sabe? A TV é o grande canal de distribuição de informação e entretenimento, tanto que está em 99% dos lares. As pessoas compram TV antes da geladeira. Mas existe uma falta de pensamento com relação ao que é produzido ali. De um lado tem a fofoca, quem come quem... Do outro uma coisa totalmente Escola de Frankfurt, contra a TV.

Essa cisão emburrece?
É como ator de novela, que chega e diz que o filho não vê TV. Parece que a TV existe pra você ganhar dinheiro, pra poder fazer a peça de teatro — que isso sim é arte. Minha visão, a do meu grupo, é que gostamos de TV! Achamos que é uma missão estar na TV, trazer coisas que estão na pe­riferia da TV para dentro da TV. E não é que a gente dê voz pra coisa nenhuma. Essas pessoas já têm voz. Quero criar debate. Essas coisas fora da mídia, que são as coisas mais populares: o que isso significa pro Brasil? Meu encontro com a Regina Casé e o Guel Arraes no piloto do Programa Legal sobre baile funk tem conseqüências até hoje no nosso trabalho. Queremos fazer a TV gostar de ser TV. Porque a TV tem esse problema, de querer ficar chique. Aí é a perdição [risos].

Você parece gostar de tudo, mas disse que tem muita porcaria que faz sucesso. Quais?
Eu tenho uma postura de Torquato Neto, “só quero saber do que pode dar certo”. Tem pouco espaço, quero dar força pro que acho bacana.

Só pra entender também seus parâmetros...
Deixa eu pensar em alguma coisa que muita gente goste [risos]. Não que seja porcaria, mas não me interesso, por exemplo, pelo Nirvana. Não acho que ali tenha uma novidade com relação à história do rock. Strokes também. A gente trouxe Strokes no Tim Festival, mas aquilo não me interessa. Não tenho tempo para aquilo.

Originalidade é um critério?
Acho que é. A maior parte...

E tem originalidade no rock do Brasil hoje?
Deixa ver... O Montage, pra mim aquilo é rock’n’roll, sabe? Aquele menino ter entrado num negócio que só tinha forró, botado o povo pra pular daquele jeito, é tão rock’n’roll aquilo. A postura blasé, impressionante. Tem mais coisas... minha memória é tão ruim... Muita informação, cabe pouca coisa no... no...

HD.
Isso. E a memória RAM, também, que pega no HD o que está usando. Você tem que limar determinadas coisas para entrar outras...

Você se considera um cara inteligente, apesar da memória fraca?
Não. Não. Acho que tenho uma inteligência ligada à curiosidade. Isso me faz chegar a coisas antes que a maioria perceba que está acontecendo. Talvez meu maior talento, minha maior fonte de diversão e de alegria, seja conectar pessoas que estão fazendo — elas sim — coisas importantes.

Esse é seu trabalho?
É, de botar coisas juntas e ver o que é que dá [risos]. É um trabalho de mediação, de trazer coisas que não fazem parte daquele mundo pra aquele mundo, e apresentar as pessoas umas às outras. Um trabalho de curadoria. O Chris Anderson, editor da Wired, que escreveu aquele livro The Long Tail — A Cauda Longa, diz: “Nosso papel não é de edição, de hierarquizar as coisas, mas de catalisar e curar, no sentido de fazer a curadoria”.

Qual é a diferença entre editar, ser curador e catalisar?
Você não tem o controle da conversa. O editor tem o controle, decide o que vai estar na revista, na capa etc. Hoje você sabe que as pessoas estão conversando entre vários sites e vários blogs e as coisas não acontecem no seu site ou na sua revista. Com a ferramenta como o Technorati, sei quem falou de Overmundo em qualquer blog. Minha resposta para aquilo não precisa estar naquele blog, mas, se eu responder no meu blog, vão estar conversando porque todo mundo vasculha o Technorati pra saber quem falou o quê. Mas você pode identificar tendências, conversas interessantes, catalisar — no sentido de amplificar e tornar mais veloz tudo isso.

Mas atender aos desejos da audiência não é um perigo?
Aprendi com o Neguinho do Samba, um dos meus ídolos, um dos principais caras do samba-reggae, que provocou uma mudança na música baiana: “Não faço o que o povo gosta, faço o que o povo precisa”. Que vai ao encontro do que o Gil falava: “O povo também quer aquilo que não sabe”. Tudo o que fiz na TV... Não havia demanda por aquilo. Você cria a demanda. Isso tem um resultado de audiência. Ou às vezes não é sucesso, mas tem conseqüências a longo prazo... De repente ouço coisas como a Vera, presidente do Ara Ketu, me dizer que eletrificou o bloco afro porque ela viu African Pop, que passou meia-noite na TV Manchete, ibope baixo, sabe?

Você fez várias coisas do tipo, como dar uma bateria eletrônica para o Marlboro...
O Marlboro ia encontrar a bateria de qualquer jeito. Tem aquele texto do Sartre sobre Questão de Método, em que ele fala: “Se não houvesse Lênin, haveria revolução russa?”. É claro que a história é produzida por um monte de encontros produzidos por acaso, mas o Marlboro estava buscando aquilo que contribuiu pra essa música nova na cidade do Rio, que alegra a vida de tanta gente [risos].

Falando em coincidências... você acredita em Deus?
Acho que é tudo acaso. Tem a ver com a tese do meu orientador, Gilberto Velho, sobre a sociedade complexa... Ele criou o conceito do “campo de possibilidades”. Tem muitas coisas da sua vida, do seu grupo social, daquilo a que foi submetido pelo sistema educacional, o que vai lendo etc., e o fato de você ser essa pessoa proporciona um tipo de encontro — e outros encontros são impossíveis. Há uma produção de ordens, sempre precárias, nesse acaso. Mas a Terra ter esse tipo de estrutura geológica, biológica, clima, que torna possível a existência da vida e da evolução etc. É acaso. Mas gosto de ambientes religiosos. No templo taoísta, vou ali, boto incenso. Acho bacana ter uma boa energia, quando tem um monte de gente, ali, tentando, de maneiras às vezes desastrosas, produzir bondade. Entendo a busca de sentido religioso. É difícil viver sem sentido. Mas eu não preciso. Não preciso da idéia de uma vida depois da morte. Acabou, acabou. Isso aqui já é mais que suficiente.

Mas religião não é só isso... não tem uma sensação de que as coisas não se explicam simplesmente por coincidências?
Tenho uma sensação clara, o contrário da paranóia, de que o universo conspira a nosso favor. Mas isso também pode ser explicado pelo acaso, por uma conjuntura atual do universo. É caos, né? E produção de ordem a partir do caos o tempo inteiro. O que gosto na religião é que muitas gostam de festa, e eu gosto de festa [risos]. Aliás, acho que esse é o maior talento do Brasil: fazer festa. As pessoas não têm mais motivo pra festa, e inventam! Outro dia eu peguei um DVD de Peabiru, interior do Paraná, da Festa do Carneiro ao Vinho [risos].

Festa do Carneiro ao Vinho é ótimo.
Tem a Festa do Peixe Ornamental e o Piabódromo, em Barcelos, a Festa do Cupuaçu [risos] e o Tribódromo [risos], em São Gabriel da Cachoeira... A experiência mais fascinante da minha vida foi participar da excursão do Música do Brasil, em que a gente saiu, durante um ano, da Festa do Divino em Macapá ao Carnaval em Cuiabá, praticamente vivendo na es­trada, indo a festas todo dia. Tinha uma hora que a gente estava cansado e aí vinha aquele bando bêbado tocando tambor, e aí a gente animava e ia atrás. Já conversei sobre isso com o economista Carlos Lessa, que foi presidente do BNDES, ele também fala muito sobre a economia da festa. O Brasil poderia se especializar, esse é um talento nosso tão evidente... Já pensou, que coisa boa pro mundo, um país especialista em festas? Eles vêm aqui, ficam doidões, sambam, voltam alegres pra casa...

Devia ter uma faculdade de festa. A alegria é a prova dos nove, dizia o Oswald de Andrade. Agora, tem essa coisa da sustentabilidade, né? Festa é desperdício, você faz comida pra milhares de pessoas, gasta o que não tem. Talvez a gente encontre um caminho... Essa é minha utopia de Brasil.

Pula Carnaval, fica bêbado, louco?
É... Não muito. E nem dou festa. Mas em algumas festas, sim... Me lembro daqueles Carnavais na Bahia de 86, 87... Quando o Olodum apareceu, os dois Carnavais coordenados pelo Waly Salomão. Ali senti “essa festa é minha”. Passei um ano indo a baile funk, todo fim de semana, por causa do meu trabalho de campo. Eu não sei dançar, então fico um pouco de fora. Mas em algumas festas o espírito coletivo baixa em você, você acaba possuído por algo maior, dissolve seu ego na matéria em movimento.

E hoje tem alguma festa com esse frescor dos Carnavais de 86, 87?
A festa de aparelhagem em Belém do Pará. Apesar de existir há muito tempo, é tão inovadora, um culto tão intenso com a novidade tecnológica, que sempre que vou fico impressionado.

Voltando à educação, você vê alguma mudança na política de educação dos últimos quatro anos pra cá?
Temos que ver isso a longo prazo. Muita gente fala da escola pública, “como era boa”, sabe? Mas se esquecem de que pouca gente estudava na época. Em um encontro que participei no DNABrasil, o físico Rogério Cerqueira Leite falava da qualidade das escolas públicas, aí a Regina Casé perguntou: “Mas quantos pretos existiam na sua sala?”. Nenhum... Hoje, a maioria da população estuda. O acesso à saúde e à educação realmente se democratizou. E é claro que isso gera uma quantidade enorme de problemas. Não deu tempo de formar professores... Tudo é feito aos trancos e barrancos. Essas pessoas hoje estudam em escolas precárias se comparadas à escola onde Villa-Lobos dava aulas de canto orfeônico. A qualidade do ensino certamente é pior, mas mais gente está estudando. Os últimos quatro anos não trazem novidade nesse processo. É mais do mesmo. Há uma grande continuidade nos dois governos.

São iguais?
É o projeto civilizatório da USP. [José Arthur] Gianotti e tudo mais. A novidade, que a gente intuía, quando o Caetano disse que “o Gil será o Lula do Lula”, é de atentar que novos processos estavam acontecendo na cultura. A visão de cultura como economia criativa, o discurso que o Gil vive reprisando, isso ficou bem claro.

Você é um pouco assessor de Gil, não?
É uma história engraçada. Eu tava num debate promovido pela Unesco no Sesc, sobre a im­por­tância do funk. Era um debate com muitos educadores e todo mundo contra o funk: “Como professor, ensino os garotos a não gostarem de funk”. E eu defendendo... Aí veio um cara conversar comigo: “Poxa, gostei muito, tenho um projeto”... e falou de um jei­to que era óbvio que eu deveria conhecê-lo. Fiquei com vergonha de perguntar: “Quem é você?”. Depois fui descobrir que era o Leo­nardo, ex-jogador de futebol, hoje diretor do Milan. Aí fui no Gol de Letra e a gente acabou amigo. Levei o Leonardo no show do Gil, depois fomos jantar. Falei pra ele de como o desenvolvimento tecnológico abria brechas no mercado de trabalho — por exemplo, a en­trada do computador na Globo, nos estúdios de mú­sica... Se a garotada da periferia aprendesse essa linguagem ao mesmo tempo em que os garotos de classe média teriam condição de...

Competir...
De competir. Afinal, a maior parte dos cursos de informática pra pobre ensina o Office, como se o destino desses garotos fosse trabalhar em escritório. O Gil estava escutando e disse: “Hermano, não quero mais fazer um disco do Gilberto Gil, quero fazer parte de programas coletivos. Adorei essa idéia, tenho estúdio, posso abrir portas pra essas coisas, vamos fazer!”.

E sua influência na política dele como ministro?
Eu fui fazer o documentário dos Doces Bárbaros, com o Andrucha [Waddington], no Ibirapuera, e aí o Gil me chamou e disse: “Ah, acabei de receber um telefonema do Lula me chamando pra ser ministro. Quero que você venha comigo, vamos tocar aquelas idéias?”. Assim aquela idéia do estúdio acabou dando nos Pontos de Cultura. Participei de reuniões e comecei a sugerir coisas. Por exem­plo, a primeira viagem internacional do Gil foi pro Midem, em Cannes, a grande feira da indústria fonográfica. Descobri que ia estar lá o John Perry Barlow, presidente da Eletronic Frontier Foundation... Eu os apresentei, eles ficaram superamigos, Gil chamou o Barlow pra vir pro Carnaval... O governo tem de colocar o selo, sabe? É o que eu gosto de fazer, juntar coisas, pessoas.

Mas não é tão fácil assim incluir as pessoas pobres na indústria cultural, quando no fim das contas a panelinha e as indicações definem vagas?
É, mas cada vez mais surgem espaços onde essa mediação é feita, como os grupos Nós do Morro, o AfroReggae. Eu dou aula num Ponto de Cultura em Vargem Grande — exatamente um Ponto de Cultura pensado sobre essa primeira idéia de ensinar a usar o computador pra produzir e editar vídeo e música. E aí a gente começa a chamar esses ga­rotos para fazer estágio na Globo. A gente tem que encontrar canais novos. São canais, como o próprio Instituto Criar, do Luciano Huck, espaços de convivência entre grupos diferentes...

Falando em TV, acha que a TV deveria ter censura?
Eu acho que se auto-regula. É uma negociação constante entre os grupos da população. O papel do Estado é de ser o mediador. Afinal, a capacidade que o Estado tem de atrapalhar... [risos]. Por exemplo, descobri no Overmundo bandas de j-rock e encontros de anime e mangá pelo Brasil inteiro. Fui na UERJ, na festa mais bacana que vi recentemente, em um encontro de fãs de anime e mangá onde em um momento todos fazem a mesma coreografia e cantam a mesma música. Aí perguntei pro garoto ao meu lado: “Que música é essa?”. E ele disse: “É o tema do Naruto” — que é o desenho animado mais popular no mundo.
Aí perguntei: “Como é que tu vê Naruto?”. Ele disse: “A gente baixa”. Depois li que esses desenhos não são exibidos [o desenho passa à noite na TV paga] porque tem uma determinação do Ministério da Justiça que os considera violentos. Que mentalidade imbecil desses que estão legislando! Os garotos vão ter acesso de qualquer maneira.

É o mesmo preconceito sobre o que é bom, o que é ruim...
Nos Estados Unidos é a mesma coisa: as pessoas deveriam ouvir Schubert e ler Proust. Aqui, com uma história de escravidão, de casa-grande e senzala, apesar de todos os contatos bem assina­lados de mestiçagem por Gilberto Freyre e companhia, existe um horror de ser brasileiro... Uma vontade de ser americano. E aquilo é tão brega, Lincoln Center, o MoMA.

Você acha o MoMA brega?
Acho [risos]. Sabe a Muji, aquela cadeia japonesa que na Europa é uma loja de rua, mas em Nova York é do MoMA? Que é uma coisa que pra ser chique não tem etiqueta nenhuma [gargalha]... Brega, né? Não existe coisa mais brega do que esses bufês hoje em dia, em que você come queijo brie com tâmara.

O que define o brega? Música do Chimbinha é brega?
É, também. É que tem uns bregas de que eu gosto muito [risos]. O brega que finge ser chique, consumido por uma minoria, que crê que aquilo não é brega, esse é o problema. Festas com salas VIP...

A pulseirinha...
Como a Regina [Casé] diz: “Quem gosta de andar de pulseirinha é pobre!” [risos].

Mas é fácil falar isso quando você já está na área VIP...
Não gosto disso não. Só é bom em show dos Rolling Stones, né? [Gargalha] Que eu fui pra levar o Lucas...

Falando em área VIP, você tem uma visão catastrofista do futuro?
Acho que a gente vai dar um jeito. O Phillip K. Dick diz isso, ele tenta explicar, como gnóstico, que o reino dos céus e tudo o mais não aconteceu ainda. Ele percebe que ainda estamos em Roma e esses 2 mil anos são ilusórios e estamos ainda naquele momento esperando o fim do mundo... Nisso também tem um negócio puritano que a gente tá vivendo, que não pode comer nada. Isso é ruim pra festa. Dá-se um jeito. Não é o fim do mundo.

Como é sua rotina de trabalho?
Trabalho basicamente na rede. E isso incomoda um monte de gente porque gostam de reunião, presença física, trocar idéias, telefone, e eu não tenho telefone celular.

Nunca teve?
Nunca tive. Não gosto de ser encontrado, gosto de responder às coisas na hora que dá. Vejo as pessoas muito presas àquilo, mas funciono por e-mail. Mais ou menos faço meu horário, gostaria de acordar sempre tarde, mas não consigo. Sinto também que, com a idade, deveria ter uma vida mais re­gular, andar, correr de manhã...

Você não faz exercício?
Todo dia faço uns alongamentos meio tai chi, demora uma hora pra fazer.

Você acredita em energia?
Yin/yang sim. É... Eu sou chinês.

Na vida passada?
Não, hoje em dia. Eu, o Gilberto Gil [risos].

Você se sente meio chinês?
E tenho medo dos chineses, sabe? Fui a Macau fazer um documentário chamado Além Mar, sobre lu­ga­res que falam português, e de manhã via a multidão de chineses fazendo tai chi. Aí perguntei pro macaense: “Puxa, mas eles fazem tanto tai chi e são tão nervosos”. Aí ele disse: “Imagina se não fi­zes­sem” [gargalha]. Vi o capitalismo chinês, o capitalismo auto­ritário sendo produzido em Xangai... Tem um livro que dei pro Gil e virou uma espécie de livro de cabeceira dele, de um filósofo francês chamado François Jullien, Um Sábio Não Tem Idéia. Ele fala que virtude é ocupar os dois extremos ao mesmo tempo. Por isso fico na Rede Globo e no software livre: ocupar os extremos sem escolher. Quando você escolhe uma posição, apaga uma parcela da complexidade da vida... Quando você acredita muito em alguma coisa se torna escravo, sem humor. Você tem que ser infiel às idéias em que acredita, tem que se auto-sacanear...

Você também nunca quis ter família, acha que não dá tempo, é verdade isso?
Eu não queria, mas a realidade dá umas rasteiras. Você vê, com o acidente do Herbert, virei meio pai dos filhos dele.

E você é bom pai?
Eu sou carrasco total. Tem que andar na linha. Boto de castigo, tem que respeitar. Antes eu era o tio maluco, eles vinham em casa e podiam ficar acordados até de madrugada. Quando cheguei lá pra educar tinha que dizer: “Não é mais farra. Tem que ir pra escola, tem que dormir cedo”.

Seu pai era asim?
Não, ele deu mole, por isso a gente é maluco. Eu sou mais exigente, e adoro a escola do Lucas, que é um Big Bro­ther. Eu sei, pela internet, que horas ele entrou, que horas saiu.

Por que que você é tão repressor assim?
Tem que ter discipli­na. A disciplina é China. Por mim eles estudavam no São Bento [escola tradicional linha-dura para homens]. Você aprende Aristóteles, o fundamento da cultura ocidental, e de­pois tem um negócio sólido pra você se rebelar. É assim que funciona.

Você acha que família atrapalha?
Foi um plano, nunca se casar... Não. É de estar solto, poder mudar... Viver junto é chato.

Você não se sente sozinho?
Tenho mais amigos do que posso ter.

As pessoas te acham bizarro por causa disso?
Acham. Pode ser uma resposta errada para problemas não trabalhados, mas até agora está funcionando bem [risos]. Não me sinto infeliz, mas tem uma pressão social forte pra que você seja normal...

Vai ver é trauma da professora Áurea...
Pode ser. Vai saber.

Já fez psicanálise?
Nunca. Não acredito muito na idéia de inconsciente. Acho que tudo é consciente. Tudo está na superfície. Não gosto de uma coisa que está escondida e que tem explicação sobre o que está na superfície, sabe? Todo mundo acha que sou um caso. Quando teve o lance do Herbert, todos ficaram muito preocupados com as crianças... Diziam: “Elas não foram ainda pro psicólogo?”. Teve um dia que disse: “Não agüento isso, vou fazer, senão vou me sentir culpado se os meninos tiverem um problema depois e me disserem que não coloquei”... Aí levei pro psicanalista.

Você é feliz?
Sou muito feliz. Essa questão da felicidade me persegue. No início do Programa Legal, a gente tinha um questionário de 20 perguntas, uma delas era “O que é que você faz quando você está infeliz para voltar a ser feliz?”. Tinha receitas maravilhosas, como “Eu assobio”... Agora, o Dorival Caymmi, quando fez 80 anos, a gente perguntou isso, e ele disse: “Não fico triste”. “Mas nunca?” Aí ele: “Não. Às vezes quando vem lá longe, eu tomo água”. Ele é uma lição. Fez só 20 músicas, mas músicas perfeitas, não precisa mais. Essa obsessão nossa de fazer as coisas... O mundo já tá entulhado de coisas.

Então por que você não pára, Hermano?
O Zé Marcelo, que coordena o Overmundo comigo, mandou esse poe­ma do João Cabral de Melo Neto: “Fazer o que seja é inútil. Não fa­zer nada é inútil. Mas entre o fazer e não fazer mais vale o inútil do fazer”. É claro que tudo é inútil, e o que eu admiro na festa é is­so, a inconseqüência. Em um seminário que participei sobre a Amazônia ouvi que os índios agora querem ter monumentos... Fiquei com pena de eles entrarem nessa. Uma das coisas que eu achava bacana nos índios é justamente não ter monumento. É mais sábio. A gente fica carregando biblioteca. É um peso enorme. Uma vez deu broca na minha estante... Seria bom se comesse tudo, né?

Você não gosta muito de aparecer, né?
Acho que é um culto pelo desaparecimento, pelo estético.

Timidez?
Também. Mas não é uma coisa rígida, sabe? Não é Rubem Fonseca, Dalton Trevisan. É só meio chato ficar ali posando.

Você se considera vaidoso?
Acho que sim. Todo mundo é. Vaidade é função pra você estar vivo, sabe? Um dos livros mais importantes da história é do Matias Aires, um filósofo português que morou em São Paulo no século 17, o Reflexões sobre a Vaidade dos Homens. Se você não tem um pouquinho de vaidade, não faz nada. Mas é também um problema, como diz o Eclesiastes: “Tudo é pó”.

E seu ego é grande?
É... É um ego que se envaidece quando se dissolve e quando faz coisas que possibilitem a dissolução de outros egos também.

Falando em ego, você não tem vontade de se meter mais com política?
De jeito nenhum. Eu sou muito ingênuo.

Você já foi petista?
Não, não gosto.

Votou no Lula?
Dessa segunda vez aconteceu um negócio inacreditável. Eu não decorei os números. Levei os de
deputado federal e deputado estadual escritos, mas não levei de governador e presidente. Não sabia o número do Lula, votei nulo.

Memória ruim, né? Sei, sei. Você gosta desse governo?
Gostar, não gostar, achei normal... No fundo me me defino como anarquista: não gosto de governo [risos].

fonte: Revista TRIP


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Hermano Vianna Empty Re: Hermano Vianna

Post by wodouvhaox Fri Feb 11, 2011 7:55 am

Contradições

Duas semanas atrás, em Londres. Tudo punk-dominado: impossível, com olhar atento/“antenado”, circular pelos arredores chiques de New/Old Bond Street sem encontrar algum vestígio da influência cada vez mais consolidada que Vivienne Westwood exerce em certa cultura contemporânea. Os folders de suas novas coleções ordenavam em letras garrafais: “Compre menos.” Havia uma exposição de seus sapatos na loja de departamentos Selfridges. As vitrines da Lee traziam o lançamento de jeans com sua assinatura. E dentro do Palácio de St. James, residência real, na Garden Party organizada pelo príncipe Charles, Vivienne Westwood era a curadora de moda. Apenas Vivienne Westwood, não.
O material de divulgação do evento a tratava por Dame Vivienne Westwood, título ainda de alguma nobreza que recebeu em 2006.
Nada mal para alguém que inventou, junto com seu marido, Malcolm McLaren, e o designer situacionista Jamie Reid, o estilo visual e indumentário dos punks. Ou que, ainda no início dos anos 80, dizia fazer “moda de confrontação” e declarava: “Tenho uma visão política da moda: é uma maneira de contestar o sistema.” Interessante encontrála agora no núcleo duro do “sistema”, entronizada nas lojas mais comerciais e aliada de um príncipe que não esconde uma visão artística tradicionalista, vide seus ataques a toda tentativa de se construir edifícios de arquitetura (pós)moderna em Londres.

Mudou o sistema ou mudou Vivienne Westwood? A Garden Party do príncipe Charles não era uma festa qualquer, sem causa. Havia uma isca: os jardins cheios de História dos palácios Clarence House, St. James, Marlborough House e Lancaster House, geralmente cercados por forte aparato de segurança, estavam abertos para a população plebeia. Claro, era preciso pagar as libras da entrada, mas, repetindo a propaganda, por uma boa causa: o dinheiro arrecadado seria aplicado em alguma iniciativa ecologicamente correta de Sua Alteza.
Muitos debates, shows, exposições de projetos que nos incentivavam a poupar energia, deixar de viajar, não desperdiçar nada e até plantar a própria comida seguindo o exemplo da horta orgânica cultivada ali mesmo pelo Príncipe de Gales.

Confesso que fico sempre meio apavorado nesses ambientes verdes, achando que sou culpado pelo fim do mundo.

Também tenho implicância com a ideia de que a Natureza é boazinha e que tudo o que é artificial faz mal. Mesmo assim consegui me divertir nos jardins reais, descobrindo gente bem maluquinha, não apenas velhinhas fazendo bolsas com o tecido das cortinas velhas dos palácios.

Como o pessoal de moda reunido pela curadoria da Dame Vivienne Westwood.
Tenho certeza de que vão ser cada vez mais presentes em qualquer passarela: o pessoal do coletivo Noki House of Sustainability, a atriz Emma Watson (Hermione nos filmes de Harry Potter) agora também ecodesigner, ou a estilista Orsola de Castro, líder do movimento do “upcycling”, o termo fashionista para reciclagem.

Mas em nenhum momento deixava de causar estranheza a presença de ideias até bem extremistas em local tão “estabelecido”. O ar estranho dos tempos, onde está tudo — conservadores e vanguardas — junto misturado, ficou mais denso quando entrei, bem do lado dos palácios, no prédio do Institute of Contemporary Arts (ICA), ocupado pelos russos do Chto Delat?, coletivo ou “plataforma” formado por artistas, filósofos, críticos e escritores que tentam fundir teoria política, arte e ativismo. (E quando lembramos do poder que magnatas pós-Perestroika, como Roman Abramovich, exercem hoje em Londres — do futebol do Chelsea ao circuito de arte, isso para falar só na “superestrutura”... — tudo fica ainda mais pesado e animado.) Chto Delat? pode ser traduzido como Que Fazer?, título do livro de Lênin, que trata das “questões palpitantes do nosso movimento”. O pessoal do Chto Delat? faz muitas coisas bem palpitantes: vídeos, instalações, performances, um jornal, seminários etc.

Para Londres eles prepararam várias ações diferentes, que poderão ser acompanhadas até 24 de outubro.

Assisti ao final de um seminário que durou 48 horas. Os participantes tinham mesmo que ficar 48 horas juntos, inclusive comendo e dormindo juntos nas galerias do ICA. Terminou com uma performance brechtiana.

O tema era “Que lutas temos em comum?”, tudo comandado por Olga Egorova, artista que cria umas roupas filosóficas (a de que mais gostei era um vestido com a seguinte declaração bordada no peito: “Acordo às 6 para ler Hegel”).

No palco, divididos, dois grupos: os artistas e os ativistas.

Atrás deles, um coro cantando hinos comunistas. Os artistas recebem convite para exposição patrocinada por uma grande corporação, os ativistas fazem campanha contra a aceitação do convite.
Na plateia, a Liga dos Trabalhadores Culturais Revolucionários protesta: tudo aqui seria uma farsa ingênua, promovida com dinheiro público.

No final, palmas, risos — obviamente, nenhuma conclusão.

Sigo dali para a festa de 16 anos da Rinse FM, rádio que era pirata e comemorava sua oficialização recente no dial londrino. A programação era também extremista: dubstep, UK funky, grime.

Muito subgrave esquisito. Na fila da entrada, mais de três mil garotos normais, nada esquisitos.

De volta à contradição dominante: a contestação no poder, o choque e o banal de mãos dadas. Mundo complexo este “nosso”.

Fonte: Conteúdo Livre
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