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::: Pedro Ivo Resende :::

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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 1:36 pm

Todos os Baiacus merecem o céu

por Pedro Ivo Resende

O Caio ganhou um Nintendo, o Flavinho um autorama do Piquet. E eu, bem, eu rasguei o meu embrulho, abri a caixa e descobri que ganhara um baiacu morto. Junto vinha um manual de instruções, com apenas uma frase: “Produto não comestível”. Também pudera: o bicho já estava podre, com os olhos brancos. Fedia pra cacete. Não sabia o que fazer com aquilo. Achei melhor levá-lo até o meu pai e perguntar isso para ele.

- Pai, ganhei um baiacu de natal. O que eu faço?
- Bem, ele está morto?
- Sim.
- Então devemos organizar um funeral apropriado para ele. É o que há de decente a ser feito.

Meu pai me deu um tapinha nas costas e explicou o propósito do presente. Segundo ele era algo para me ensinar a lidar com a morte, com a perda. E sabe, até que não era tão ruim. Enquanto o Flavinho encaixava as pistas do seu autorama do Piquet, eu montava o caixão do baiacu com tábuas de compensado.

- Pai, existe um céu para os baiacus?

Chamei todos para comparecerem ao meu pequeno funeral, mas a família inteira estava ocupada demais com a ceia e os presentes. O único que se dispôs a ir foi o jovem papai-noel, que se sentia meio deslocado na festa. Ele olhou todos os preparativos e abaixou a cabeça, com pesar. Estava visivelmente emocionado quando comecei o meu discurso.

- Um sonho interrompido, cortinas que se fecham em meio a um ato. Alguém que tinha a tanto a oferecer e partiu tão cedo...

O papai-noel fajuto - contratado pra festa - resolveu também participar.

- Baiacu honesto, nunca fez mal a ninguém.
- Isso! Sempre que precisávamos de um companheiro, lá estava ele com uma palavra amiga.
- Bem-humorado, piadista... Era um fanfarrão, mas não mexia com a mulher dos outros.
- E mesmo assim, partiu. Por que, por quê?!

Ajoelhei-me no chão, fechei os olhos e fingi que estava chorando. Quando me levantei, vi que o papai-noel tinha retirado o baiacu do caixão e o segurava pelo rabo. Ele passava os olhos pelo peixe com um olhar curioso.

- Ei, garoto, isso daqui não é um baiacu.
- Como assim?
- É um bacalhau. E está gelado, cheio de tempero. Seu pai deve ter tirado ele da geladeira.

Jogamos o peixe no mato e voltamos à festa. Nos confraternizamos com os convidados, comemos, dançamos; tudo isto com um espírito revigorado. Porque além do nascimento do Deus-menino, tínhamos muito a comemorar naquela noite. Afinal, o baiacu não morrera.

- Um brinde ao baiacu, aquele peixe sapeca.
- Sempre nos pregando uma peça. Tim-tim!


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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 1:54 pm

La Muerte

por Pedro Ivo Resende

Bebericava uma cerveja quente neste bar lá perto de casa quando me aparece uma figura muito estranha. Ela vestia uma túnica preta, carregava uma foice e parecia flutuar por sobre o chão.

- Pedrooo...
- Ei, psiu, sai fora. Tenho dinheiro pra te dar não.
- Yo vengo te buscare, Pedrooo...
- O quê?
- Yo soy la Muerteee...
- A morte? Não, peraí, acho que houve um engano aqui, meu senhor. Eu ainda sou muito jovem e gozo de boa saúde.
- No, no. Es usted miesmooo...
- Olha só... tem um asilo cheio de velhinho do outro lado da rua. É logo ali e você vai adorar. Vamos lá fazer uma festinha, anda.
- No, no quieroooo! Tire su mão de mi braçooo...
- Tá bom, calma. Mas e se nós fizéssemo um acordo, hein? É que eu ainda sou muito jovem.
- Uno acuerdoooo?
- Isso. Nós disputamos um jogo. Se eu ganhar, fico por aqui mesmo.
- Mas que juegoooo? El xadrezzz?
- Não, xadrez é muito complicado. Nunca aprendi a jogar. Pra falar a verdade, o único jogo que eu conheço é o Super-Trunfo de carro. Aquele das cartinhas, conhece?
- Siiii, coñeço... Vamos juegare entonces...

Chegando em casa...

- Ô Máaarcia! Põe mais água no feijão. A Morte veio aqui pra jogar comigo.
- Hein? Mas o que é isso? Você vem da rua e fica trazendo essas coisas pra casa! Mês passado foi aquele cachorro sarnento, agora vem com essa Morte.
- Márcia, por favor! Ela é visita.
- Visita ou não visita, isso daí não senta no meu sofá.
- Ahh... Desculpa, dona Morte. É que a Márcia é chata pra cacete mesmo.
- No problemaaaaaaa...
- Deixa eu embaralhar aqui as cartas. Aceita um torresmo?
- Si.... Humm, muy gostosooooo....
- Toma aí. Você começa.
- Humm... Yo escolho la velocidaddddd...
- Ok, meu carro faz duzentos e...
- Ei, amor, eu sei o que essa Morte é! Tem foice, é comunista.
- Porra, Márcia!! A gente tá tentando jogar aqui! Dá um tempo.
- Não, sério. Aposto que essa coisa nojenta aí é do PT. Movimento dos sem terra, essas coisas. Olha a foice.
- Yo no soy del PTTTT...
- Márcia, será que você não percebe que eu tô tentando salvar minha vida aqui?! Vai arranjar o que fazer e me deixa em paz!!
- Eu é que quero paz. Minha mãe sempre dizia que...
- Chega!! Quer saber de uma coisa, dona Morte? Meu carro não faz nem 40 quilômetros por hora. Você ganhou, me leva daqui, me tira de perto dessa mulher.
- Nonnnn... Yo quiero elaaaa... Yo gosto de tu mujeeerrrr....
- Hahaha, quer leva a Márcia? Tá na mão. Ôoo Márcia, faz aí a sua malinha. A Morte vai te levar com ela.
- Me levar pra onde??
- Coñieces Arubaaaa?
- Não, é bonito?
- Mutchas playaaaas, cassinoosssss....
- Praias, cassinos, hummm... Ok, vambora.
- Ei, ei, ei. Peraí. Me leva nessa bocada também!
- No... Deu moleeeeeee....
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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 2:04 pm

Ah, esse coqueiro que dá coco

por Pedro Ivo Resende

Uma ave pousa na minha cabeça.

- Graaaaaá, graaaaaá!!
- Sai daqui. Sai!
- Graaaaá, graaaaaá!!
- Socorro!

Um amigo meu chega correndo.

- Que espetáculo! Um Carcará Real.
- Mata isso daqui, Paulo. Mata essa porra.
- Não posso. É um pássaro lindo, muito raro, ameaçado de extinção.
- Mata essa bosta agora. Pega um pedaço de pau e dá nele.
- Deixa eu observá-lo. Ele é maravilhoso. Sua plumagem, seu porte imponente...
- Graaaá, graaaaá!!
- Ei, eu tô sentindo um negócio estranho na minha cabeça. O que esse bicho tá fazendo agora?
- Acho que ele está tentando se reproduzir. Ele gostou de você.
- Cacete, tá todo mundo olhando pra mim, Paulo! Me ajuda, anda.
- Ok, peraí...
- Ubiratan açu poita.
- Olha só, um índio. Fantástico!
- Foda-se o índio, Paulo! Tira esse bicho antes que ele ponha um ovo na minha cabeça.
- Araribioa tabajara açu henê.
- Ele está dizendo: "Homem branco toma terra do índio, toma pássaro sagrado do índio"
- Que saco, eles sempre vem com esse papo. Faz o seguinte: chama ele de índio vagabundo. Índio vagabundo com chinelo havaiana e camisa do Flamengo.
- Eu não, depois ele...
- Açonu ita anauê anauê anauê.
- Olha, ele quer a ave. Dá esse bicho pra ele, anda.
- Você quer essa ave, índio maldito!? É isso? Então pega. Tira ela de mim!

O índio tira a ave da minha cabeça e sai correndo para perto da praia, onde um grupo de gringos esperava ansioso. Eles começam a bater palmas, tirar foto do pássaro e jogam dólares para o alto.

- Índio filha da ... Ei, Paulo, já sei. Vamos lá também. A gente chega sambando e ganha uma nota.
- "Brassiiiil, meu Brasiiiil brasileiro..."
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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 2:08 pm

Acabou.

por Pedro Ivo Resende

Cristina estava ocupada com a faxina da casa quando se deparou com algo estranho pendendo da parede. Parecia ser um escudo do Flamengo.

- O que é essa coisa nojenta, Alberto?
- Essa coisa nojenta é arte, Cristina. Arte. Tenha sensibilidade. Tô há umas duas semanas trabalhando nisso.
- Arte? Arte é quadro de palhaço chorando, de cavalo selvagem correndo na praia. Isso daí é lixo, Alberto. Olha aí, tudo sujo!
- Não tá sujo, cacete. Presta atenção: eu peguei cinza de cigarro e misturei com cerveja. Deu um efeito legal. É uma nova arte, masculina, testosterônica, cheia de significado.
- Mas por que cinza de cigarro, Alberto? Deixou tudo empoeirado.
- As cinzas representam o nosso relacionamento, Cristina. Acabou.
- O quê?
- É... Eu não consegui, não tive coragem de dizer isso pra você. Achava que com o quadro você fosse entender.

Cristina começa a passar mal e pega uma cadeira pra sentar.

- Mas Alberto! Depois de 15 anos...

Alberto dá uns tapinhas nas costas da mulher.

- Éééé, Cristina...
- Mas você tem outra? Qual o nome dela?
- Calma.
- Você não gosta mais de mim? É isso?
- Calma. Não é nada disso.
- O que é então?
- É simples. Sabe, eu gosto muito de cerveja, gosto muito de futebol. Eu até gosto de você, mas não tanto quanto cerveja e futebol. Então, se a gente se separar, eu fico com mais tempo pras coisas que eu gosto.
- Mas como assim, Alberto?? Eu.. Eu não entendo isso.
- Não entende? Vamos fazer o seguinte: vem aqui e tenta me beijar.
- Te beijar, mas...
- Vem, tenta.

Cristina vem e se aproxima de Alberto. Ela vai chegando perto até que Alberto grita.

- Porra, me deixa em paz! Não tá vendo que eu to bebendo minha cerveja?
- Alberto, não! O que é isso?
- Ahh, ok. Você ainda não entendeu, né?
- Eu não estou entendendo mais nada!
- Tá bom. Olha só... Tenta... Tenta conversar comigo. Vem.

Alberto abre o Caderno dos Esportes.

- Mas é isso que eu estou fazendo e você não me ouve! Fica com essa conversa estranha e eu não sei mais o que está acontec...
- Caralho, deixa eu ler meu jornal!!
- Mas... Mas Alberto...
- Tá me entendendo agora?

Cristina está afônica. Alberto tenta consolá-la.

- Sabe, a verdade é que eu sou um escroto. Eu preciso viver nesse mundinho de pequenas coisas escrotas. Eu quero louça entulhando a pia, quero passar o dia inteiro andando de chinelo Rider, quero uma gaiola de passarinho suja ali, quero os meus amigos parando de me ligar. E tem também o leite...
- Que leite?
- O leite da geladeira. Você troca essa porra todo dia, Cristina. Me dá nervoso. Deixa o leite azedar, mulher!
- Tá bom, tá bom, Alberto! Acho que sei onde você quer chegar.
- Ótimo, Cristina! Eu te amo, sabia?
- Tá...
- Não, sério. Eu te quero ver feliz. Faz um sinal de positivo aí...

Cristina levanta o dedão timidamente.

- Não, faz com vontade. E põe um sorriso nessa cara, PORRA!

Cristina obedece.

- E leva o Tatá!
- Quem?
- Tatá, o nosso filho. Aquela criança que volta e meia aparece aqui na sala, puxando um caminhão de plástico.
- Ah, sim... Tatá, vem aqui!

Uma criança surge correndo na sala. Ela solta o caminhão de plástico e se agarra à perna da mãe.

- Papai, eu te amo.
- Eu também te amo, Tatá. Agora, Cristina, põe o lixo pra fora e, por favor, não volte mais aqui.

Cristina obedece, levando Tatá consigo. Alberto se sente mal com a situação e decide ir dar um último afago no seu filho.

- Ei, garoto: daqui há uns anos, quando você voltar pra me convidar pro seu casamento, não se esqueça de trazer cerveja, ok?
- Sim, papai. Eu te amo.
- Eu também te amo, Tatá.
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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 2:13 pm

Motel Marajá das Arábias

por Pedro Ivo Resende

Eu e a Gressi Queli resolvemos conhecer esse motel, o Marajá das Arábias. Gressi estava concluindo um curso profissionalizante de datilografia e, por isso, se considerava mais inteligente do que os outros.

- Amor, vem cá, marajá não é na Índia?
- Cala essa sua boca imunda, Gressi.

Ao entrarmos no quarto ficamos surpresos. Tudo era um luxo só. Havia uma cascata artificial, lindas plantas de plástico e cidra gelada no frigobar. Havia também um pênis verde de cartola e monóculo chamado Samuca, o mascote do motel. Ele estava estampado em tudo quanto é lugar, nas almofadas, toalhas e sabonetes. Achei aquilo meio estranho. Até porque eles colocaram esse grande desenho dele na parede fazendo sinal de positivo. Embaixo vinha a frase "Samuca te deseja uma boa foda, irmão!". Troço muito esquisito. Mais estranho do que isso só este botão que ficava do lado da cama. Ele trazia um aviso: "Aperte somente em caso de emergência". Eu falei:

- Aperta isso aí, Gressi.
- Mas amor, aqui diz somente em caso de emergência.
- Cala essa sua boca imunda e aperta o botão, porra!

Quando Gressi Queli apertou o botão, o quarto inteiro se encheu de fumaça. Começamos a tossir. Abrimos a janela e, no momento em que a névoa se dissipou, vimos aquele negócio parado do lado da nossa cama. Era um negão de quase dois metros, vestido apenas com uma folha de parreira e segurando uma bisnaga de KY. Ele disse:

- O que lhes aflige?
- Ahhnnn, nada. Por... Por favor, vá embora!
- Você está tenso, amigo. Precisa de uma massagem.
- Não, sério! Sai daqui!

E então o negão foi, revirou o nosso frigobar e levou uma garrafa de cidra embora. Gressi estava tremendo em um canto, encolhida na posição fetal. Eu tentei ser compreensível:

- Levanta essa bunda gorda daí. Você me dá nojo.
- Amor, o que foi aquilo?
- Gressi... Aquilo foi... Foi... Pra você aprender a não ficar mexendo onde não deve. Mas já passou, ok?
- Amor...
- O quê, porra?
- Posso apertar o botão de novo?
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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 2:16 pm

Papai-Mamãe

por Pedro Ivo Resende

Depois de um exame de próstata, a pior coisa do mundo é ser filho de uma sexóloga. Para esses profissionais, sexo é a coisa mais normal do mundo, devendo ser tratado de forma aberta. E todos nós sabemos que sexo não deve ser discutido em casa, com os pais. É algo que se aprende com revistas ou em filmes, de preferência nas pornochanchadas do David Cardoso.

- Filhinho, uma curiosidade: você sabia que, durante a ejaculação, o esperma sai a uma temperatura de 36 graus por vir de dentro do corpo humano? Isso explica o porquê do gozo ser tão quentinho!
- Mãe, por favor... Guarde suas considerações sobre a temperatura do esperma para si própria.
- Tá bom. Mudando de assunto: sabia que a maioria das mulheres orgásmicas, incluindo a mamãe, não chega ao clímax por meio de penetração?
- Meu Deus! Pare.
- E que durante as preliminares, o seio da mamãe pode aumentar cerca de 25% de ta...
- Chega! Você é doente, mãe. Do-en-te!
- Doente, sei... É assim que você trata a sua mãe, não é? Tá bom, eu paro. Mas doente é você, que não sabe conversar sobre sexo com naturalidade. Provavelmente é incapaz de satisfazer uma mulher.
- ...
- Me diga: sabes fazer com que uma mulher se sinta desejada?
- ...
- Agora fala! Sabes estimular as suas zonas erógenas?
- Teve essa prostituta, mãe...
- O que tem ela?
- Levei ela para o quarto. E enquanto nós fazíamos aquilo...
- "Fazíamos aquilo" não. Fazíamos sexo loucamente, fodíamos numa poça de suor. Não tenha pudor de demonstrar sua sexualidade.
- Tá... Enquanto nós fodíamos, ela cantarolava um pagode, batucando nas minhas costas. E no final, mãe, no final ela devolveu o meu dinheiro.
- Ô, filhinho, não fique assim. A mamãe vai te ajudar. Esse é um problema de experiência, que se resolve facilmente.
- Ah, é? Como?
- Vendo duas pessoas experientes fazendo sexo loucamente e aprendendo com elas.
- E quais seriam essas duas pessoas?
- Eu e o seu pai. Somos entrosados e temos a didática.
- Deus, fure os meus olhos! Jamais suportaria essa visão dos infernos.
- Por que? Somos todos íntimos aqui. E você já superou esse seu Complexo de Édipo há tempos. Deixa eu chamar seu pai.
- Não, pára!

Minutos depois, meu pai e minha mãe surgem de mãos dadas e completamente nus. Como eu odeio os anos 60...

- Amor, vamos fazer ali, no sofá. Começaremos com um roteiro básico: estimule meu clitóris, depois alterne para a felação. Logo em seguida, inicie a penetração com estocadas ritmadas, firmes e...
- Parem com isso!
- Ainda não. Ao longo do ato, você poderá pedir para nós pararmos toda vez que tiver uma dúvida.
- Mas minha dúvida não é sexual! Pra você tudo é sexo, sexo, sexo. Meu problema é sentimental. Não consigo satisfazer uma mulher porque ainda não encontrei uma alma gêmea, alguém com quem possua afinidade. Não tem nada a ver com essas suas rotinas sexuais.
- Filhinho, deixa ver se eu entendi: você procura alguém igual a você.
- Isso, mãe! Finalmente...
- E se você procura alguém igual a você, porque não se masturba?
- Bem, pensando assim... Pode ser. Onde estão as revistas?
- Estão dentro da estante, embaixo das fitas com as pornochanchadas do David Cardoso.
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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 2:25 pm

Esperando pela suruba

por Pedro Ivo Resende

Domingo triste. Meu primo Hélio estava no hospital em estado crítico, esperando por um transplante de medula. Após alguns exames descobriram que eu era o único doador compatível. Saí de casa então para comprar jornal, devolver uns vídeos na locadora e fazer o tal do transplante. Mas foi aí que eu vi esse cartaz:

"Chegou a sua vez!

Já imaginou como seria estar cercado por belas mulheres e fazer aquele sexo sujo? Pois pare de sonhar e venha correndo para a nossa suruba. Sorteio de aparelhos eróticos, Cicciolina cover, lesbianismo gratuito.

Rua Jangadeiros, casa 40"

Peguei o primeiro táxi que apareceu na minha frente. Agüenta as pontas aí, primo Hélio! Estamos torcendo por você. E foi aí que, chegando no local, toquei a campainha e um senhor de uns sessenta anos apareceu numa janelinha da porta. Tinha um bigode enorme pendendo abaixo do nariz. Parecia que estava tentando engolir um castor. E a cauda, aquela enorme cauda, escapava pela boca.

- Sim?
- Ahnn... Aqui é Rua Jangadeiros, casa 40?
- Correto.
- Meu senhor, é a respeito de uma suruba.
- Suruba?
- Isso.
- Só um momento.

O homem fechou a janelinha. Era possível ouvir uma dessas músicas instrumentais que costumam tocar em consultórios médicos vindo lá de dentro. Após alguns instantes, ele voltou. Desta vez, junto com uma simpática senhora de cabelos grisalhos, que me convidou a entrar.

- Vamos, meu rapaz. Não se acanhe. Quer um refrigerante?
- Não, obrigado. Vem cá: é aqui que vai acontecer uma suruba?
- Sim, em alguns instantes. Por favor, me acompanhe até a sala.

Entrando na sala eu me deparei com uma cena bizarra. Um homem imenso, gordo, vestindo roupa e máscara de couro, sentado no sofá. No lugar da abertura para a boca havia um zíper. Ele segurava um chicote e parecia ter uns tiques nervosos. Putaquilparil, eu quero minha mãe.

- Este daqui é o Buba. Um ótimo rapaz. É mudo, coitado. Ele veio pelo mesmo motivo que você.

Buba soltou um grunhido. A baba escorria pelo zíper da sua máscara. Sentamos no sofá e ficamos ali vendo TV. Eu, o casal de senhores e Buba. Passava "E o Vento Levou". Queda de Atlanta, aquela porra toda pegando fogo.

- Minha senhora, somos apenas nós nesta suruba?
- Por enquanto sim, meu rapaz.

E o filme continuando. A protagonista rolava pela escada e perdia uma criança. Buba abriu o zíper da sua máscara e falou:

- Vivien Leigh está maravilhosa neste filme.

Todos nós ficamos olhando para ele. A senhora sorriu e bateu com as mãos em seu próprio colo.

- E nós achávamos que você era mudo...
- Não, não. Todo mundo sempre pensou isso. Mas é que até hoje eu nunca tinha encontrado nada de interessante para falar. Então preferia não dizer nada.

A senhora se virou para o seu marido, que lia o jornal em uma poltrona no canto da sala.

- Não é fabuloso, Jaime?
- O quê? Ah, sim, estupendo! Eu sou um constante fascinado pela condição humana.

E logo depois voltou para o nosso amigo mascarado, segurando em suas mãos:

- Buba, venha comigo, sim?

Buba grunhiu e, cambaleando feito um babuíno, desapareceu com a senhora por dentro de um corredor. Jaime continuava impassível, lendo o seu jornal. Alguns longos minutos depois, a simpática senhora apareceu de novo na sala, soltando um grito:

- Férias na Alemanha!!

Tremi no sofá de susto. Ela estava agora fantasiada com uma roupa folclórica alemã e prendia Buba em uma coleira, que por sua vez vestia um traje de tirolês por cima das suas vestimentas de couro. A senhora trazia consigo um álbum de fotografia.

- Vamos ver as fotos da viagem!?

Mais um grito e Buba, desta vez, grunhiu e regurgitou alguns goles de baba. Antes que a senhora abrisse o tal álbum ou a boca, eu já tinha saído da casa. Estava quase na rua quando encontrei essas três mulheres. Três lindas garotas, dessas que jamais dirigiriam a palavra a mim.

- Oi, por favor, é aqui que vai acontecer uma suruba?

Estava calor e pequenas gotas de suor escorriam pelo corpo delas. Eu gaguejei alguma coisa e abri a porta. As mulheres entraram e foram indo para a sala. A simpática senhora, fantasiada de alemã, fechou o álbum e exibiu um sorriso convidativo.

- Sejam bem-vindas ao nosso sexo grupal.

Eu comecei a tirar a minha roupa. Camisa, calça, sapato; foi tudo ficando pelo chão mesmo. Buba desabotoou o seu traje. A simpática senhora se livrou das roupas de alemã, revelando, em poucos instantes, as suas tetas murchas que lembravam duas azeitonas secas. As lindas garotas, tímidas a princípio, logo se animaram e começaram a tirar o sapato. E eu simplesmente não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Transar com essas mulheres seria a realização de um sonho absurdo, a concretização de uma realidade impossível. Tão impossível que, se eu realmente comesse elas, provavelmente romperia alguma lei fundamental da física. Mas aquilo estava acontecendo. As meninas se despindo, tirando as camisas... O clima de erotismo invadia a sala. A única figura que destoava daquela cena era o nosso amigo Jaime, que permanecia sentado na sua poltrona. E logo quando as meninas iam se livrar do soutien, ele se levantou e disse:

- Meus caros, e se dançássemos a polca?

"A polca?". "É, aquela dança tradicional da Polônia". Todos adoraram a idéia. Eu ali, semi-nu, cercado por lindas mulheres e a simpática senhora filha de uma puta indo pôr um disco de polca na vitrola. Ainda com suas tetas murchas expostas, ela começa a estalar os dedos para aquela música estúpida. As garotas, Buba, Jaime e a simpática senhora formaram pares de dança. E eu não tinha ninguém para dançar. Eu não conhecia a polca. Eu não ia comer ninguém. Era hora de ir embora. Precisava ainda fazer um transplante. Olhei para TV e vi que "E o Vento Levou..." estava acabando. Porra, as fitas de vídeo! Precisava devolver as malditas fitas de vídeo. Bem, deixa o transplante para depois então. Porque, como diria Scarlett O´Hara, amanhã é um novo dia, primo Hélio, amanhã é um novo dia...
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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 2:28 pm

O astronauta brasileiro

por Pedro Ivo Resende

Quando a nave chegou na Lua o astronauta brasileiro já estava de saco cheio. Não havia nada para se fazer por lá. Sem mulher, bebida, vídeo pôquer e cigarro, aquilo era igual a Magé, sua cidade natal. A única coisa divertida era urinar em gravidade zero e ficar vendo aquelas gotículas de mijo se espalhando pela nave e atingindo o painel de comando. Os americanos ficavam meio putos e gritavam algumas coisas. Mas de nada adiantava: o nosso astronauta não entendia inglês mesmo. E ainda tinha o lance da TV: se você colocasse um pedaço de Bom-Bril na antena, captava a Rede Globo. Mas o grande barato era que a programação vinha de vários anos atrás. Então o brasileiro pôde ver o Brasil ser campeão em 70, o Ayrton Senna correr seu último GP, a morte de Tancredo Neves e alguns capítulos de Vale Tudo, a sua novela favorita. O único problema era que volta e meia aparecia um sujeitinho cinza na tela, dizendo ser amigo. Se metia no meio dos programas e falava sobre o significado da vida e das pirâmides do Egito. Resumindo: aquele velho papo New Age de coroa macrobiótica. Pro inferno com o sujeitinho cinza. Aposto que no fundo ele só queria mesmo era vender granola e me ensinar Yoga.
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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 2:29 pm

Grandes questões da humanidade

por Pedro Ivo Resende

Alguém sabe por que não existem animadores infantis homens? E por que os Paquitos foram um grande fracasso? Eu te digo: é por causa da altura das crianças. É, isso mesmo. Porque se você perceber, essas pequenas e agitadas criaturinhas ficam EXATAMENTE na altura do seu saco. Dançar ilariê, brincar de pega-vareta, andar de patinete, qualquer uma dessas inocentes atividades pode ser fatal. É só a criança fazer qualquer movimento que... uau, vai de encontro direto aos seus bagos. E enquanto você se debate no chão, como um salmão fora do rio, o desgraçado fica lá, orgulhoso de si mesmo e se achando uma merda de Power Ranger.
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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 2:32 pm

Bundinha legal

por Pedro Ivo Resende

- Me diga, então: o que você queria me contar de tão importante, Márcio?
- Bem, Cláudio... A gente é amigo há o quê? Quinze anos?
- Isso.
- Pois é. Você foi meu padrinho de casamento e tal. Por isso me sinto à vontade de te dizer isso: eu acho que você... Acho que você tem...
- Acha que eu tenho o quê?
- Acho que você tem uma bundinha legal. Pronto, eu disse.
- Ahn?! Como assim?!
- Não, olha... Você sabe que eu não sou gay nem nada. É mais um sentimento de admiração, algo meio que contemplativo.
- Sentimento contemplativo com a minha bunda, caralho?! Como você vem com uma dessa, Márcio?!
- É como olhar um quadro do Monet, ver uma bela escultura. Sua bunda é bem trabalhada, tem substância, personalidade. Eu só estou sendo sincero. Achei que você fosse me compreender e deixar eu... Sabe?
- Deixar você o quê, porra?!
- Deixar eu cheirar a sua bundinha.
- Calma aí... Quero ver se entendi isso: você está pedindo para cheirar o meu rabo?
- Isso. Só quero dar uma cafungadinha aí atrás. E pode ser com a calça jeans. Eu não me importo.
- Chega! Em respeito à tua mulher, à nossa amizade, eu não vou te dar a surra que você merece. Vai pra casa, toma uma ducha fria e vai descansar essa sua cabeça cheia de merda. Eu vou-me embora.
- Não, peraí, fica. Eu escrevi aqui umas coisas, fiz uns versinhos pra sua bunda. Escuta. É importante pra mim.
- Fui! E não se atreva a olhar para a minha bunda enquanto eu estiver indo embora.
- Espera! Você não pode ir assim... Volta aqui com ela... Seu... Seu... Bundão!
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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 2:38 pm

O job do customer relationship management

por Pedro Ivo Resende

Chegava o final do mês e, como todos os outros funcionários da empresa, eu reclamava do salário. A diferença era que nunca trabalhei lá. Há uns cinco anos eu tinha sentido vontade de ir ao banheiro, pedi para usar o lavabo deles e acabei ficando. Encontrei uma cadeira vazia, uma pilha de papéis e uma velha máquina de escrever elétrica. Era o que eu precisava para começar a digitar meus relatórios, que ninguém lia. Ocasionalmente eu alternava essa função com uma outra, mais divertida: interromper reuniões de negócio com algumas frases de efeito.

- Me desculpe, senhores, mas o job do customer relationship management já está pronto?
- O quê?!
- O job do customer relationship management. Ele deve estar pronto on demand ou isso influenciará o downsizing do nosso share of mind no data-warehouse.
- Nós não estamos sabendo de nada.
- Eu escrevi um relatório sobre isso ontem, depois do staff meeting!! Seus corporate executives de merda. Todos vocês receberam!!
- A gente... A gente não recebeu.
- Não receberam, né? Vocês que sabem. O presidente da empresa vem amanhã aí. Se esse job não estiver pronto, anéis anorretais irão sangrar!!

Em questão de segundos todos os sujeitos começavam a revirar aquela papelada, procurando a porra do relatório. Entornavam latas de lixo, agrediam secretárias, tremiam de nervoso, empapuçavam o colarinho de suor. Um deles chegou inclusive a ter um ataque cardíaco, mas o meu advogado me instruiu a não comentar nada sobre este assunto. Depois desse incidente eu resolvi encontrar um novo hobby. Consistia em ficar plantado na entrada da empresa e espantar todos os nossos clientes com uma fantasia de bate-bola. Alguns deles eram mais corajosos e tentavam entrar assim mesmo. Mas nada que um spray paralisante não resolvesse. Quando fechamos o terceiro semestre com prejuízo por conta disso, eu escrevi um relatório culpando o Luciano do almoxarifado, que vinha tomando café demais. Fiz as contas de quanto o sujeito bebeu nos últimos três meses e sugeri que ele fosse enrolado em um casulo de fita crepe e papel almaço, sendo abandonado à própria sorte em algum canto da empresa. Mas como ninguém lê o que eu escrevo, não aconteceu nada.

De uns meses para cá eu comecei a me sentir meio inútil e decidi cuidar de uma impressora. Só que ela fazia muito barulho. "Cheeeng", "cheeeng", sabe como é? Eu ali parado o dia inteiro, sem ninguém pra conversar, ao lado daquela porra e ela fazendo "cheeeeng", "cheeeeng". Entornei um copo inteiro de café em cima da maldita máquina, que parou de fazer barulho. Algum espertalhão do suporte apareceu e começou a gritar que eu tinha quebrado a única impressora do andar. Mas obviamente o culpado era o Luciano do almoxarifado.

- Se ele tivesse bebido todo o café, nada disso teria acontecido.

Houve uma comoção geral em torno da impressora. Era uma Epson Fucking Advanced 3000, imprimia colorido todos os documentos, nunca deixou ninguém na mão. Uma mulher atirou um clips em mim e eu percebi que precisava fazer alguma coisa para acalmar os ânimos. Foi então que descobri como resolver aquele impasse: eu ia ficar circulando pelo escritório com um bloquinho.

- Ei, cara do bloquinho, tô precisando imprimir esse texto!

Daí eu copiava tudo o que estava escrito no monitor e deixava as folhas de papel em cima da mesa. Até ai tudo bem. Complicado era quando tinha alguma imagem no meio e eu precisava usar lápis de cor. Nunca soube desenhar direito. Passava o programa do Daniel Azulay na TV e eu, já velho, não conseguia fazer nada daquilo. Foda.

Toda essa minha nova função como impressora me absorveu muito. Eu praticamente morava no escritório, virando noites com o bloquinho e cada vez me distanciando mais da minha família. Tinha em casa uma esposa gorda, um poodle neurótico e um filho de olhos puxados que não se parecia muito comigo. Mas sentia falta deles mesmo assim. E como eu estava divido entre meu trabalho e família, achei melhor trazer eles para ficar comigo no escritório. Morar mesmo, entende? E foi assim que nos mudamos de vez. O Lucas, o meu filho com cara de japonês, fez de uma das salas de reunião o seu quarto. Pendurou um modelo Revell no teto e formatou o computador do chefe pra poder jogar Fifa Soccer. Minha gorda esposa pôs um fogão no meio da sala de engenharia. Chamou todas as amigas pra conhecer a casa nova. E por incrível que pareça, o pessoal do escritório parecia não dar a mínima. Estavam concentrados demais no trabalho para perceber o que acontecia à sua volta. O poodle cagando todo o corredor, o garoto roendo a unha do pé na recepção, a mulher passando a feiticeira no carpete; nada disso incomodava os funcionários.

Depois de uns meses o escritório fechou. Não foi culpa de mais um trimestre de prejuízo, da conjuntura econômica, nem tão pouco do Luciano do almoxarifado. Ao voltar de um almoço no domingo, percebemos que minha esposa esquecera a chave no escritório, trancado a gente do lado de fora. Na segunda-feira ninguém conseguiu entrar. E os dias foram se passando, os funcionários se amontoando na entrada, até que chegou a notícia: a empresa havia pedido concordata. Foi ai que decidimos ir ao bar mais próximo e nos reunir pela última vez. Enchemos a cara. A certa altura alguém sugeriu que fizéssemos uma roda de oração. Demos as mãos e, como nenhum de nós sabia rezar e todos ali já estavam bêbados, cantamos uma música triste do Chico Buarque. Não me lembro o nome. O que eu me lembro é do rosto daqueles colegas a quem aprendi a amar nestes últimos anos. Lembro-me de todos os momentos que compartilhamos juntos, das conquistas, das derrotas, do sentimento comum de fraternidade que nos unia em torno desta empresa. Mas com esse pequeno detalhe: eu nunca trabalhei lá.
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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 2:55 pm

Picanha Esperança

por Pedro Ivo Resende

Conhecia esse camarada, o Reinaldo. Cheio de boas intenções e planos. De vez em quando surgia com umas idéias estúpidas, isso é verdade. A última dele era uma churrascaria a domicílio. E mesmo não sendo muito chegado numa picanha, decidi encomendar um churrasco para prestigiar o amigo. Quinze minutos depois alguém bate na minha porta. Era um gaúcho de bombachas, segurando um espeto de carne:

- Queres uma alcatra?

Peguei meu prato e fui servido com algumas fatias de carne. Vinte minutos depois alguém bate de novo na porta:

- Oooolha a picanha...

Mais quinze minutos...

- E aí, vais de coraçãozinho? Tá uma maravilha.

Já eram duas da manhã, eu precisava dormir e não parava de aparecer gaúcho na minha casa. Comecei a achar isso meio estranho e coloquei um desses avisos vermelhos de churrascaria na minha porta: "Estou satisfeito / I´m satisfied". Durante dias eu ficava ouvindo passos de espora e um barulho de bombachas no corredor. Alguém sempre chegava até a minha porta, lia o aviso e soltava uma grosseria:

- Mas eu vou é enfiar esse espeto no cu da tua mãe, tchê!

E assim ia embora. Depois de um tempo eu acabei me enchendo de tudo aquilo e liguei pedindo a conta. Alguém do outro lado da linha me avisou que o Reinaldo tinha abandonado a churrascaria. Ele estava se dedicando à sua nova empreitada: criar um apresuntado gigante que começaria em uma praia da Bahia e terminaria em Teresina, capital do Piauí.

- Reinaldo vai acabar com a fome do Nordeste!

O camarada era mesmo foda. Fiquei contagiado com esse espírito sonhador do Reinaldo e decidi colaborar com a campanha 0800 da TV Globo.

- Você ligou para o Criança Esper...
- Alô? Doutor Roberto?
- ...ança, para fazer a sua doação você precis...
- Eu queria falar com o Roberto Marinho... Alô?
- ... ouvir toda a gravação...
- Seu Roberto, eu queria fazer uma doação...
- Obrigado! ... [ tu ]... [ tu ]... [ tu ]...

Puta que pariu, tinha ficado chateado com isso. Desci pra rua, vi um menor abandonado e dei quinze reais para ele.

- Toma guri, pra tu se drogar.
- Valeu, tio.
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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 2:59 pm

Foi o Coronel Mostarda, com o candelabro, na cozinha

por Pedro Ivo Resende

Comecei a fumar cachimbo e isso me deu vontade de solucionar mistérios. Fui espiar a geladeira e percebi que a gelatina tinha sumido. Quem havia comido a bosta da gelatina? Precisava de pistas para descobrir o culpado. Revirei a cozinha e encontrei uma camisinha usada perto da geladeira. Ela poderia pertencer ao suspeito, uma vez que eu não como ninguém. Fumei o cachimbo para buscar inspiração mas, sinceramente, não me ajudou em porra nenhuma. Passei umas duas horas na cozinha. Já estava ficando nervoso e um forte tremor dominava o meu corpo. Nisso uma voz surgiu na minha cabeça: "Amigo, me escuta, a gelatina é a sua alma. Quem a roubou não merece misericórdia. Gelatina, ódio, morte". Reuni toda a minha família e ameacei torturá-la. E foi aí que alguém me contou: eu mesmo tinha comido a gelatina. Você sabe, depois que começa a fumar crack, a sua memória fica uma bosta.
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Post by wodouvhaox Tue Dec 08, 2009 3:03 pm

Vovó sabe tudo

por Pedro Ivo Resende

Minha avó deu pra fumar maconha. Ela costumava ficar num canto, bordando e com aquele grande baseado na boca. Eu a beijava na testa e dizia: "Vozinha, pára com isso. Não vai pegar bem pra senhora". E ela sempre calada, naquele jeito dela. Calada até este dia em que eu cheguei em casa e vi um lenço na minha cama. Ele trazia um grande "Mas vai tomar no cu, vai" bordado nele.

Vovó pegou o livro da Sebastiana Quebra-Galho, cheio de receitas, e tentou fazer um bolo. Não teve saco de esperar o negócio assar e serviu a massa crua para os netos. Eles ficaram com dor de barriga e voltaram mais cedo pra casa. Depois desse dia, vovó resolveu juntar seus trapos e sumir.

Para mim vovó tinha evoluído e virado energia, como Fernão Capelo Gaivota. Nunca ninguém soube o que havia acontecido a ela. Mas nesta noite em que estávamos sentados na sala, nos lembrando de histórias sobre a vovó, algo mágico aconteceu. No meio de uma boa recordação, Marquinhos surgiu afobado, segurando um cartão postal. Vinha da Jamaica e atrás estava escrito:

"Me esqueçam!
Vovó"

Grande vovó. No Natal vamos todos para a Jamaica nos encontrar com ela. Mal posso esperar para comprar o meu presente.
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Post by wodouvhaox Thu Dec 10, 2009 3:37 pm

O cabeleireiro das estrelas

por Pedro Ivo Resende

Meu cabelo é duro, estilo black-power. E se eu passasse algum tempo sem cortá-lo, sempre recebia o mesmo telefonema.

- O senhor Pedro, por gentileza.
- É ele.
- Bem, aqui quem fala é o representante dos direitos autorais da banda Jackson Five para a América Latina. Se você não mudar o seu penteado nas próximas vinte e quatro horas, entraremos com um processo por uso indevido de imagem contra o senhor. Passar bem.

Definitivamente era hora de cortar o cabelo e, por que não, adotar um visual moderno. Entrei no Chez Lutcho's, o salão da moda, e fui atendido pelo próprio cabeleireiro.

- Cabeleireiro, não! Sou hair designer.
- Ótimo.

Pedi pro Lutcho raspar o meu cabelo à máquina. Ele abriu a gaveta e me mostrou o aparelho.

- É isso que você quer?
- Sim.

Lutcho atirou a máquina contra o espelho e se enrubesceu de raiva.

- Sou Lutcho's Coiffeur, cabeleireiro das estrelas! Não me vendo por tão pouco. Eu te pego, eu te mastigo, te cuspo, eu te transformo. Deixa eu te mostrar uma coisa.

Lutcho remexeu num armário e me trouxe uma foto. Era ele e um sujeito loiro.

- Essa é uma foto minha com o Richard Gere. Cortava o cabelo dele em troca de aparições furtivas nos grandes sucessos de Hollywood.
- Porra, mas esse sujeito aqui não tem nada a ver com ele.
- A foto é antiga. Posso te contar um segredo?
- Sim.
- Eu inventei o corte asa-delta.
- É aquele da voltinha atrás?
- Isso.
- Que merda, Lutcho.

Lutcho ficou ainda mais transtornado e explodiu em prantos. Saiu correndo na direção de uma porta e se trancafiou lá dentro. Um velho barbudo de cadeira de rodas elétrica desceu uma rampinha do salão e parou ao meu lado.

- Lutcho tenta te agradar, te fazer feliz, e o que você dá em troca? Desprezo!
- Olha, não foi por querer.
- Peça desculpas para ele.

Andei até a porta, de onde se podia ouvir os soluços do cabeleireiro.

- Lutcho, desculpas aí.
- Diga!
- Dizer o quê?
- Diga que você é um animal, insensível, ignorante.
- Nem fudendo.
- Tá bom, me faça elogios então. Elogios em francês, elogios mil.
- Olha, eu só vim pedir desculpas. Mas também você fica contando essas mentiras. E isso é...
- Excuse me.

Olhei pro lado e vi um cara alto de cabelo grisalho. Puta merda, era o Richard Gere!

- Lutcho, darling, come on. Let's go to San Francisco.

Lutcho abre a porta e salta para os braços do galã de Hollywood, que o acomoda no banco traseiro de um Jaguar estacionado em frente ao salão. E eu fico com aquela cara de "mas que porra é essa?". Nisso o sujeito da cadeira de rodas sobe à toda velocidade para o topo da rampa e de lá proclama:

- Corações aflitos, meu jovem! O mundo está cheio deles.
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Post by wodouvhaox Thu Dec 10, 2009 3:39 pm

O velho tarado da Mercedes 78

por Pedro Ivo Resende

Seu Moreira comprou uma Mercedes 78. Adaptou a buzina com o tema do Star Wars para ver se fazia sucesso entre as colegiais. Ele tinha uma fixação magnética no que chamava de "garotinhas com cheiro de chiclete Trident". Por isso parava o carro de vez em quando na saída do colégio Pedro II.

- Ei, doçura, vem cá. Te dou um picolé de carne.

As garotas gritavam e se escondiam atrás das amendoeiras, com medo. Ele não ligava. Despia a camisa, a calça e ficava de cueca e meia preta, tomando sol em cima do capô do carro. E era nisso que se resumia o seu expediente de velho tarado. Até a vez em que uma mulher finalmente entrou no carro do Seu Moreira. Era a Tia Lucinda, que se orgulhava de ainda menstruar aos 68 anos de idade ("Aqui minha calcinha, ó. Cheia de sangue"). Ela perguntou:

- Seu Moreira, você tem algo contra próteses?
- Próteses?
- É, membros mecânicos.
- Tenho sim.
- Problema seu. Vamos pra Goiás. Quero começar vida nova ao seu lado.

Nisso, uma colegial chega e pergunta:

- E aí, Seu Moreira, o picolé ainda está de pé?

Tia Lucinda se adiantou:

- Psiu, o picolé já tem dona. Sai daqui, sua franguinha!

A menina fugiu com medo e se escondeu atrás de uma amendoeira. Seu Moreira abaixou a cabeça e chorou durante duas horas. Depois ligou a Mercedes e foi pra Goiás. Combinou de rachar a gasolina com a Tia Lucinda.
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Post by wodouvhaox Thu Dec 10, 2009 3:41 pm

Não existe abraço grátis

por Pedro Ivo Resende

Rodolfo, o espírito de porco. Fazia sinal para os ônibus pararem com uma saudação nazista.

- Rodolfo, você nem sabe o que aconteceu. Pra começar, paguei muito barato nesse celular. Adivinha quanto foi!
- Uns três reais.
- Assim também não. Nenhum celular é tão barato. Paguei cento e cinqüenta reais.
- É um preço razoável.
- Mas escuta, fui conversar com o vendedor da loja e ele me pediu quinhentos reais. E tinha que pagar à vista. Aí eu virei pra ele e disse "Vai tomar no cu, quinhentos reais é um absurdo!".
- Posso fazer um parêntese?
- Sim.
- Você não falou "vai tomar no cu" na hora. Pode até ter pensado nisso, mas não falou. Não teve a coragem. As pessoas sempre se põem como os grandes heróis das histórias que contam.
- É... Na verdade eu conversei com ele numa boa. Gostei do cara. Parcelamos o aparelho em três vezes de cento e cinqüenta. Mas você não sabe da maior! Quando fui pagar, eu ganhei uma promoção e levei esse outro celular de graça. Olha só, não foi legal?
- Sim, foi legal, mas só para você que ganhou o prêmio. Eu não achei legal. Fiquei com uma ponta de inveja, para falar a verdade.
- Mas por quê? Você não fica contente pelos seus amigos?
- Não, pelo contrário. Eu até gosto de você mas, por exemplo, quando sua mulher te largou, meu coração se encheu de alegria. Foi um dia especial. Você passou a ser um fudido, como eu. Não estava mais sozinho no clube.
- Meu deus, você é um monstro!
- Um monstrinho.
- Um monstro desprezível.
- Um monstrinho afável.
- Um monstro desprezível e perverso.
- Um monstrinho afável que precisa de um abraço. Ele está se desculpando com você.
- Bem... eu não sei.
- Vamos lá, anda.

Os dois amigos se abraçam. São de momentos como estes que a vida é feita. Eles se desvencilham e Rodolfo aproveita para preencher o vácuo do momento com um comentário saudosista.

- Lembra quando você estava se recuperando de uma ponte de safena e eu te mandei um presente?
- Lembro, lógico. Foi aquela latinha que, quando você abria, pulava uma cobra lá de dentro. Eu tomei um susto e precisei voltar para a sala de cirurgia. Mas isso não importa, você se lembrou de mim, mostrou que se importa.
- Pois então: mais um abraço pro monstrinho aqui?
- Não, chega Rodolfo!
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Post by wodouvhaox Thu Dec 10, 2009 3:43 pm

Frutoproibido.com

por Pedro Ivo Resende

Paulo Valério era bonito. Ia para as festas e as pessoas comentavam como ele lembrava o Omar Shariff. E além de bonito, Paulo Valério era também inteligente. Resolvia qualquer palavra-cruzada. "Um afluente esquerdo do rio Amazonas, cinco letras". Não sabia, mas foda-se: era inteligente assim mesmo.

Paulo Valério tinha e-mail grátis: frutoproibido@bol.com.br. Ganhou uma agenda eletrônica de amigo oculto, mas não soube como usá-la. Saiu um dia de casa usando chapéu, querendo fazer estilo, mas ficou com vergonha quando chegou na rua. Teve que voltar pra casa e faltou ao trabalho. Tentava mover objetos com a força da mente. Se esforçou para gostar de jazz, mas ficou com os discos do Belchior mesmo. Não acreditava em bumerangues (assim como os grandes amores de sua vida, eles nunca voltavam). Acumulava no armário uma coleção de camisas com gola rolê. Perdeu no xadrez para o sobrinho de 11 anos. Comprou um celular de última geração e, ainda que ninguém ligasse para ele, se sentiu uma pessoa melhor.
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Post by wodouvhaox Thu Dec 10, 2009 3:46 pm

Capitão Calabresa

por Pedro Ivo Resende

No final dos anos oitenta eu entrei naquela onda de silk-screen. Fiz um curso por correspondência, achando que finalmente encontrara minha vocação. Mais de uma década depois, tudo o que me restou foram estas caixas no quarto de empregada, abarrotadas de camisetas. Sempre que recebíamos uma visita, minha mãe repetia a mesma frase mecanicamente:

- Vai lá atrás e pega uma camisa do Garfield pra você, anda.

Doze anos mais tarde, decidi que já era hora de arranjar um outro emprego. Soube de uma vaga para entregador de pizza na Tony´s (mania de pôr ´s no final de lanchonete. Fodam´s vocês). Ao entrar lá, olhei para o caixa e ele me ofereceu aquele sorriso de quem quer ser seu amigo só pra vender um pedaço de pizza.

- É sobre uma vaga de entregador.

O caixa do Tony´s apontou para o gerente, prostrado no fundo da pizzaria. Cruzei uma névoa úmida de vapor e me dirigi a ele, perguntando sobre a vaga. O camarada olhou para mim, de cima a baixo, e concordou em me conceder o emprego. Logo em seguida me entregou um pacote (e uma ordem).

- Vista isso!

Ao ser aberto, o tal pacote revelou uma roupa de super-herói. Chocado, tentei balbuciar alguma coisa, mas era como se tivessem me empurrado uma batata-baroa garganta abaixo.

- O que é is-isso?!
- Esse é o uniforme do Capitão Calabresa, uma espécie de super-herói muito rápido, que entrega a pizza sempre antes da hora. Coisa de publicitário.
- Ma-mas e-eu tenho que ve-vestir isso?!
- Presta atenção: isso acabou de chegar da filial. Nós seremos os primeiros a usar esse uniforme. Considere isso uma honra, seu merda.

Mesmo com todos os meus superpoderes de Capitão Calabresa, eu ainda me sentia intimidado pelo gerente da Tony´s. Peguei então a primeira entrega que apareceu e parti para a rua. A capa farfalhando e a lycra do uniforme já se alojando dentro do meu rego, causando aquela sensação desconfortável. Mas antes que eu pudesse sequer dobrar uma esquina, um carro encostou na calçada e dois homens enormes surgiram de dentro dele. A partir desse ponto, eu apaguei. Quando retomei minha consciência, estava em um quarto de hotel. Um sujeitinho careca, sentado em uma poltrona, me deu as boas-vindas.

- Bem-vindo à Jerusalém, Capitão Calabresa.

Neste momento ele me explicou o propósito da viagem: ao que parece, Capitão Calabresa era um sucesso no Oriente Médio, respeitado igualmente por árabes e judeus. Sendo assim, a ONU decidiu apontá-lo como mediador para a questão palestina.

- Vamos, Capitão, eles estão lhe esperando lá fora.

Ainda atordoado pelos últimos acontecimentos, me levantei da cama e percebi algo estranho: a lycra do uniforme não me apertava mais no rego.

- Ei, careca, você andou fazendo alguma coisa comigo?
- Hummm...
- Que tubo de lubrificante é aquele, perto da poltrona?
- Hummmmmmm...
- Anda, fala alguma coisa. E tira esse sorriso estranho da cara. Assim você me assusta.

Inútil discutir com ele. O melhor era escapar o mais rápido possível deste buraco quente. Mas, ao sair do hotel, uma enorme comitiva estava à minha espera, frustrando os meus planos. Tentando acabar logo com tudo aquilo, pedi para conversar com as duas principais lideranças da região, uma árabe e outra judaica. Ponderei:

- Vem cá, quando vocês dois vão parar com essa viadagem de um querer sacanear o outro?

Os dois riram afavelmente e deixaram escapar algumas palavras indecifráveis. Desconfiei que eles não entendiam porra nenhuma do que eu dizia. Para tirar a prova, apontei para aquele templo abobadado, onde muçulmanos costumam orar, e fiz uma observação:

- Evandro Mesquita.

Ambos os líderes riram e, nesta hora, tive a certeza de que não me entendiam: ninguém jamais riria desta piada. Achei melhor conclamar a presença daquele careca pederasta e resolver esta situação de uma vez por todas. E foi então que ele surgiu em meio a um clarão humano na comitiva de líderes, tal qual Moisés cruzando o Mar Vermelho, e me perguntou.

- Me diga, Capitão Calabresa, qual o seu veredicto final: palestinos ou israelenses?

Buscando uma resposta, olhei em volta e pude ter uma perspectiva ampla de toda a cidade, avistando suas construções sagradas. Pensei no sofrimento e na luta destes dois povos semitas e em todo o sangue que já havia sido derramado neste embate. Não era justo que um deles obtivesse controle sobre a cidade, em detrimento do outro. Subi em uma pilastra e anunciei minha decisão:

- Nem israelense, nem palestino. Que se construa aqui um grande estacionamento para a humanidade.

E foi assim: graças a mim, uma rivalidade milenar se dissipou em questão de segundos. Poucos dias após a minha decisão, cristãos, judeus e muçulmanos de todo mundo deram as mãos e se uniram em torno de um ideal comum: o ódio ao Capitão Calabresa. Temendo pela minha vida, a ONU já havia me reservado uma quitinete em alguma esquina obscura de Copacabana, onde eu permaneceria sob a sua guarda e desfrutando da companhia de um tal de Salmon Rocco.

- É Rushdie, seu energúmeno.

Cala a boca aí, barbudo escroto. Ninguém te convidou para a conversa. Mas, bem, eu recusei gentilmente a proposta da ONU, incinerei minha fantasia de Capitão Calabresa e voltei a procurar trabalho. Desta vez, pude pôr no currículo "o fim da questão palestina", logo abaixo do curso de silk-screen. Procurava agora um emprego onde pudesse exercer esta minha recém-descoberta sabedoria, esta extraordinária capacidade de aconselhar o próximo. Uma semana depois, encontrei algo que não era bem o que procurava.

"Oi galera! Tenho quinze anos e estou cheia de grilos nessa fase de descobertas e mudanças. Queria saber se isso é normal. Sou jovem e acredito no futuro. Pessoal, se cada um fizer a sua parte, podemos mudar esse país!"
Millena, Rio de Janeiro

"Cara Millena, o seu estado de confusão e sua postura rebelde configuram um claro caso de dependência química. Pensando no seu futuro, entrei em contato com os seus pais e, de comum acordo, decidimos que o melhor para você seria um colégio interno.
Beijos"

Pensando bem, ter uma coluna na revista Capricho até que é divertido...
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Post by wodouvhaox Thu Dec 10, 2009 3:50 pm

Agenor, o homem sem senso de humor

por Pedro Ivo Resende

Senhora e senhores, é com imenso prazer que lhes apresento Agenor, o homem sem senso de humor. Uma salva de palmas, por gentileza.

- Estou com muita vontade de comer um churros.
- Hahah... Churros, Agenor? Tá doido por um churros, sei...
- Doido não diria, pois mantenho plenamente minhas faculdades mentais, apesar do meu real desejo de abocanhar um churros.
- Ahh, "desejo de abocanhar um churros"! Quer um churros grandão, comprido, não é?
- Naturalmente! Quanto maior o churros, melhor. Assim poderei saciar totalmente essa minha ânsia.
- Mas me diz uma coisa: você quer o doce de leite escorrendo pela ponta?
- Sim! Agora que você me disse, minha boca se encheu de saliva. Preciso de um churros para ser feliz. Uma felicidade imediatista.

Não consegui me conter e desatei a rir do pobre Agenor. A princípio ele não entendeu muito bem a situação, mas pôs-se a pensar seriamente sobre o nosso diálogo.

- Diga-me, você fez uma analogia do churros com o pênis, é isso?
- Olha...
- E para você, o doce de leite representa o esperma?
- Vejá só...
- E isso significa, na sua concepção, que eu sou um homossexual enrustido por desejar com ardência um churros comprido, caramelado na ponta pelo doce de leite?
- Ahn, pode ser...
- Você é um sujeito estranho, perdido em fantasias homoeróticas.

Era impossível fazer qualquer tipo de brincadeira com o Agenor, o homem sem senso de humor. Lembro-me dessa vez quando tentei contar uma piada para ele. Grave erro.

- Agenor, por que a piscina do português é azul?
- Não sei.
- É porque ele mergulha com a caneta atrás da orelha. Ha!

Agenor apoiou o queixo na mão e ficou sério, ruminando mais uma vez o nosso diálogo. Mas desta vez ele partiu sem maiores explicações. Alguns dias depois o homem sem senso de humor voltou. Trazia consigo uma pasta e estava acompanhado de um sujeito. Agenor sacou um relatório e começou a lê-lo, mecanicamente.

- "Foi conduzida uma pesquisa com uma amostragem de trinta e dois portugueses que possuem piscinas, onde não se constatou nenhuma alteração na cor da água. Todos os entrevistados relataram jamais terem mergulhado nas suas respectivas piscinas com uma caneta atrás da orelha. Realizamos também testes empíricos, atirando canetas e portugueses na água, constatando, mais uma vez, a integridade da piscina". Logo, a sua afirmação era incorreta.
- Mas Agenor, não era uma afirmação, era uma piada!
- Bem, você não avisou.

O sujeito que acompanhava Agenor tomou a dianteira na conversa e veio se apresentar.

- Joaquim, muito prazer.
- Quem é você?
- Eu sou um português dono de açougue, conhecido do Agenor. Vim lhe entregar esta nota de desagravo, condenando suas caluniais em nome do bravo povo de Portugal. Passar bem.

E foi-se embora. Agenor ia também deixando a cena, quando eu decidi intervir. Mal ou bem ele era meu amigo e eu me sentia na necessidade de demonstrar a ele o que era senso de humor. Tive um estalo e descalcei o sapato, retirando a minha meia preta. Coloquei-a na mão e fiz um fantoche. Agenor observava tudo com a mais absoluta seriedade.

- Olá, Agenor, tudo bem?
- No presente momento, sim. Mas estou intrigado. Quem é você, meu estranho amigo?
- Eu sou Cirilo, a meia falante.
- O quê?! Mas isto é um ultraje! Meias não falam, todos sabem disso.
- Eu sei, mas eu não falo. Eu canto.
- Prove, então. Cante para mim!

Atendendo ao pedido de Agenor, fiz o fantoche cantar. Escolhi "Bastidores", uma pérola do cancioneiro popular brasileiro. "Cantei, cantei, nem sei como eu cantava assim. Só sei que todo o cabaré me aplaudiu de pé quando cheguei ao fim". E ao ver Cirilo, a meia negra, cantando em sua frente, Agenor começou a sofrer alguns pequenos espasmos. Espasmos estes que logo se traduziram em uma sonora gargalhada. Em poucos minutos ele já se rachava de rir, vertendo uma seqüência de risos tal qual a claque eletrônica de um velho programa do Chico Anysio. Recuperado o fôlego, ele falou comigo.

- Eu entendi, eu finalmente entendi! A história dos churros, a piada do português!
- Tá vendo?
- Pois é. Mas me diga: isto realmente não tem graça, tem?
- Isto o quê?
- Este texto que você está escrevendo agora, em que nós aparecemos.
- Ahn, você não gostou?
- Bem, você repete "Agenor, o homem sem senso de humor" várias vezes. Não acho isto particularmente engraçado. Aliás, com o devido respeito, será que eu poderia continuar daqui?
- Como assim "continuar daqui"? Você quer dizer, terminar o texto?
- Sim, isto.
- Bem... Vamos lá então. A partir de agora a história é toda sua.

Agenor olhou para mim e me abriu os braços, propondo um abraço. Mas quando cheguei perto, qual foi a minha surpresa quando este homenzinho astuto passou sua mão em minha bunda com vigor e pôs-se a caminhar. Agenor poderia até ser o "homem sem senso de humor", mas, neste momento, o sem graça ali era eu.

(É isto aí, gente, esse foi o meu final. Engraçado, não? Um abraço do Agenor.)

N.A.: O autor lamenta o ocorrido e garante que não permitirá mais às suas personagens o direito de assumir controle das histórias. O trecho onde Agenor percorre com sua mão os glúteos do autor é puramente fictício, tratando-se de um chiste. E para aqueles que ainda tem alguma dúvida: não, o final não foi engraçado.
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Post by wodouvhaox Thu Dec 10, 2009 3:53 pm

Auxílio à lista, boa noite?

por Pedro Ivo Resende

- Auxílio à lista, Luciana, boa noite, como posso ajudar?

- Luciana, me ajuda... Olha... Tô muito na merda, mergulhei de cabeça na fossa. Eu olho em volta e vejo tudo marrom. Mas marrom mesmo. Ontem mesmo eu vi a Alcione na minha janela. Já passou por isso?

- Auxílio à lista, Luciana, boa noite, como posso ajudar?

- Alooouu, tá ocupada demais segurando o pau mole e ensebado do seu chefe, é isso? Me ouve, porra. Tô na depressão aqui, preciso de alguém pra conversar. Vai lavar essa sua mão e me pergunta sobre a minha vida.

- Ahnnn...Auxílio à lista, Luciana, boa noite, como está a sua vida?

- Uma merda, Luciana, uma grande merda. Você não sabe como eu ando me sentindo. Já tentei até suicídio semana passada. Eu ia pular de um grande prédio e me espatifar contra o chão. Só que eu tenho medo de altura, sabe? Então eu fiquei me atirando de cima da minha escrivaninha, caindo no carpete. Pulei umas trinta vezes e só consegui arranjar uma luxação no traseiro.

- Mas senhor, por que você queria se matar?

- Bem, isso é porque eu me considero uma pessoa inferior. Andei lendo um livro de auto-ajuda, um tal de "Você é foda!", e até que ele me ajudou durante um tempo. Aluguei um carrinho de pamonhas e passei a ficar dando voltas pelo meu bairro gritando "eu sou foda!" pelo alto-falante do carro. As pessoas me apontavam na rua e diziam "olha, ele é foda". Daí uns carinhas que se achavam foda também começaram a me seguir e eu passei a andar em grupo. A gente circulava pela rua procurando pessoas estranhas. "Olha, um albino! Ele não é foda". Nisso corríamos atrás do cara com uns pedaços de pau cheios de prego.

- Nossa, eu sei como é isso, eu te entendo! Eu... eu esfaqueei minha irmã porque ela usava umas dessas pochetes fosforescentes na cintura e isso me constrangia. Preciso confessar... Eu retalhei o corpo dela, escondi no freezer e...

- Aloouu, boa-noite, Luciaanaa?! Essa daqui não é a história da sua vida, bosta. Você tá aí olhando pro seu próprio umbigo, contando esses causos de família e eu aqui na depressão. Dá pra me ouvir?

- Sim, claro. Lamentamos o incômodo, senhor.

- Tá. Mas aí, então, eu tava andando com essa turma pela rua, procurando pessoas estranhas, até que encontrei esse deficiente físico. Sabe uns sujeitos-cotocos, que nascem sem pé nem mão e se deslocam em cima do skate? Pois é, o cara tava nessa situação. Só que ele era casado, tinha uma mulher bonita, uns filhos criados. Parece que o cotoco conseguiu também um emprego bacana, como marketing regional manager na Coca-Cola. Alguém me contou que pra escrever um documento no Word ele ficava batendo com o nariz no teclado, que nem um frango. Só pedia ajuda pros outros na hora do control alt del. Mesmo assim o cotoco já tinha sido promovido várias vezes. E isso voltou a me deprimir totalmente. Eu odeio essas porras, sabe? Deficientes físicos que te dão uma lição de vida. Pro inferno com todos eles!

- Senhor, por falar em inferno, posso continuar com minha história?

- Não.

- Perfeitamente, isso não voltará a se repetir.

- Mas voltando: depois de me afundar outra vez na depressão eu resolvi viajar para bem longe. Fui pro campo, onde você pode ver à noite o céu todo estrelado. Daí eu vi uma estrela cadente e, logo depois, vi mais outras duas. Aproveitei para fazer um pedido: não queria mais ver estrelas cadentes. Voltei pra cidade grande e, como eu não tenho amigos, resolvi ligar hoje para você.

- Nós agradecemos a sua preferência, senhor.

- Nós quem? Você e o chefe do pau ensebado?

- Não. Nós, a empresa.

- Ah, sim, foi só por perguntar.
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Post by wodouvhaox Thu Dec 10, 2009 4:01 pm

Mensagem subliminar

por Pedro Ivo Resende

Convidamos Marcelo Zavarese de Almeida, doutor em Psicologia pela Unicamp, para responder a seguinte pergunta: "O que é uma mensagem subliminar?"

"Bem, dá-se o nome de mensagem subliminar a toda informação que é transmitida em um baixo nível de percepção. Ainda que não possamos identificá-la, o nosso subconsciente capta-a e ela é assimilada sem nenhuma barreira consciente".


Obrigado, doutor. Agora daremos prosseguimento a história:

Tecnicamente eu não era mais virgem. Já havia visto tantas horas de filme pornô que me tornara um teórico no assunto. Mesmo assim eu jamais havia transado com uma mulher. Se fosse membro de alguma tribo pré-colombiana, por exemplo, possivelmente seria um dos primeiros candidatos a ser atirado dentro do vulcão em algum sacrifício. Mas foi então que eu descobri o poder da mensagem subliminar. Estudei profundamente o assunto e desenvolvi uma técnica de diálogo em que entrecortava a conversação com palavras rápidas, baixas, imperceptíveis. E quando vi Sandra, a minha vizinha boazuda, pressenti que era hora de abandonar a teoria e finalmente partir para a prática.

- Oi, Sandra, imite-um-frango tudo bem?
- Co-coooó. Nossa, não sei o que me deu! Tive essa vontade louca de imitar um frango, acredita?
- Claro. Esses impulsos acontecem me-mostra-o-seu-peitinho. O melhor é não lutar contra eles.
- Concordo com você. Mas puxa, não está quente aqui? Deixa eu tirar essa camisa.
- É, deixa-eu-pegar-no-peitinho o verão está chegando.
- Eu estou me sentindo tão estranha hoje. Olha só como meu coração está batendo!
- Nossa, me-dá-o-seu-rabo está rápido mesmo.
- Bem, acho que já vou indo.
- Ué, me-dá-o-seu-rabo tão cedo?
- É que está tendo um campeonato de baralho no Lyons Club. Vou ver se minha avó quer ir comigo.
- Ah, me-dá-o-seu-rabo fica mais um pouco.
- Não posso, desculpa.
- Por favor... me-dá-o-seu-rabo
- Tenho que ir. Um beijo.
- Beijos... me-dá-o-seu-rabo
- Fui!

Não me contive.

- Pelo amor de Deus, me dá esse rabo!!!

Como eu ainda tenho um pouco de amor próprio, acho mais apropriado não nos aprofundarmos nos eventos subseqüentes. Basta apenas dizer que, horas depois, lá estava eu sentado em uma bancada de bar com um olho roxo, fitando o fundo de um copo de cerveja. Aquele líquido espumoso parecia conversar comigo.

- Não fique assim, jovem. Decepções são manifestações constantes de todo processo de amadurecimento.
- É, dona cerveja, a senhora é sempre muito sábia.
- Dona cerveja?!

Olhei para lado e vi que, ao invés da cerveja, quem conversava comigo era um camarada barbudo. Sua cara era estranhamente familiar.

- Me desculpe... E obrigado por tentar me animar. Meu nome é Pedro, prazer.
- Marcelo Zavarese de Almeida, doutor em psicologia pela Unicamp, igualmente.
- Ei, eu estudei todos os seus trabalhos sobre mensagens sublimares!
- Olha só, mas que coincidência espetacular dá-o-fora-daqui, odeio-fãs.
- Bem, acho que já vou indo. Um abraço é mesmo? foda-se!
- Vá pela sombra, jovem amigo foda-se-bem-foda-se-mal-cai-de-boca-no-meu-pau.
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Post by wodouvhaox Thu Dec 10, 2009 4:02 pm

Perca peso agora, pergunte-me como!

por Pedro Ivo Resende

Nunca acreditei em vitaminas – jamais havia visto uma. Evitava a todo custo o complexo B, até porque eu já vinha tentado tratar o abecedário inteiro na psicanálise e não precisava de mais um para me afligir. A única coisa que sabia sobre os radicais livres era que eles me assustavam, soltos por aí (prendam-los!). Talvez por tudo isso, minha alimentação nunca foi exemplar. E numa bela tarde de verão, eu entrei no ônibus e essa senhora veio até mim, me beliscando na barriga com toda sua força.

- Isso é pra você deixar de ser um gordo de merda!

Naquele momento eu decidi que deveria emagrecer. Inspirado nas camadas humildes do nosso povo e no tracejado oblíquo do seu corpo, criei a "dieta do salário mínimo". Eu passaria um mês inteiro me alimentando à base de um punhado de reais. E, bem, os primeiros dias desse regime até que foram fáceis. Apesar de sofrer uma ocasional tontura com a falta de comida, intercalada por delírios passageiros, todos comentavam como eu emagrecia rapidamente. Mas lá pela segunda semana, algo muito estranho aconteceu. Eu me preparava para tomar o meu caldo de feijão, quando ouvi alguém me chamar.

- Ei, olha eu aqui.

Tentei identificar de onde vinha a voz e acabei esbarrando com o olhar nessa barra de chocolate, que me fitava de cima da geladeira. Ela trazia na cabeça uma cartola, calçava sapatos e se amparava em uma bengala, como uma personagem de Monteiro Lobato.

- Vem comigo.

A barra de chocolate estendia a sua pequena mão para mim e oferecia um sorriso aconchegante. Era uma visão tentadora, e eu resisti como pude.

- Não posso ir com você, eu estou de dieta.
- Mas eu vim aqui para lhe libertar. Ande, largue esses vegetais insossos e me acompanhe. Passearemos por dunas de açúcar!
- Não! Por favor, desapareça. Volte para onde veio!

O chocolate não se deu por intimidado. Confiante, levou os dedos à boca e assoviou, chamando seus amigos. Subitamente, várias guloseimas começaram a surgir na cozinha, despontando de todos os lados. Um pelotão de goiabadas veio marchando pela porta e pacotes de biscoitos recheados rolavam na minha direção. Até mesmo doces que andavam desaparecidos, como a Bala Boneco, davam as caras na minha cozinha. Todos orquestrados pelo chocolate em cima da geladeira, que a essa altura sapateava de alegria. Desesperado, agarrei um talo de aipo e segurei-o como uma tocha, tentando afastar as guloseimas. Elas recuavam, fazendo "ohhhhhh", mas logo depois voltavam a avançar com o ânimo redobrado. Eu já sentia minhas forças se esvaírem, quando um feijão pulou em cima do meu ombro e, com a sua voz de malandro, sussurrou no meu ouvido:

- O Yakult.
- Ahn, o quê?
- O Yakult, amizade.

Entendi que era hora de agir. Arrastei-me pelo chão e cheguei à geladeira, de onde tirei um pacote de Yakult, comprado à duras penas. Fui libertando-os da embalagem para, em seguida, jogá-los na direção dos doces, como verdadeiras granadas. Ao explodir, as guloseimas açucaradas retrocediam com absoluto pavor daquele leite fermentado. O chocolate, ainda em cima da geladeira, apontava agora para a saída com a sua bengala e gritava, em um transe histérico:

- Corram, corram, são os lactobacilos vivos!

Em um piscar de olhos, todo aquele pesadelo se dissipou. Apesar da minha barriga ainda roncar como um velho Fiat 147, eu havia conseguido manter as minhas calorias. E o grande responsável por isto era aquele furtivo feijão, que permanecia ali ao meu lado, orgulhoso da minha vitória.

- Conte comigo, chefia. Tamos aí pro que der e vier.

Aquele grão de feijão me ajudou quando não havia ninguém por perto, quando mais precisava. Neste momento entendi que não se tratava de um vegetal qualquer, mas sim de algo que costumamos ver diariamente nos cardápios de restaurantes, nas nossas mesas e não damos o devido valor.

Era o feijão amigo.
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Post by wodouvhaox Fri Dec 11, 2009 3:12 pm

Seu Michael da padaria

por Pedro Ivo Resende

- E aí, seu Manoel?
- Olá, D´niel. Qu'res um pãozinh'? Acabou d' saire.
- Vamos parar com essa farsa, eu já sei de tudo.
- D´ t´do o quê?
- Você não é português, nunca foi. Inventou isso por causa da padaria. Quer fazer um marketing.
- Ora pois, d´ ond´ tu tirastes essa b´steira?
- Sua filha me contou tudo. Seu nome nem é Manoel! É Michael, bosta. MICHAEL!!!
- Tá b´iem, tá b´iem, vamos conversaire.
- PÁRA COM ESSA PORRA DE SOTAQUE!
- Shhh... Eu paro, cacete! Agora pára de gritar.
- Assim tá melhor.
- O que você quer de mim?
- Ok, você é objetivo. Isso é bom. Seguinte: quero ter meu espaço aqui dentro. Comprei um tecladinho, tô compondo umas músicas.
- Músicas?? Que tipo de músicas?
- Músicas sobre mim, sobre o que eu faço, sobre o que eu gosto. Sou um homem comum. Músicas sobre um homem comum. Chegou a hora de mostrar o meu talento. Vou lutar pra isso. Quero o meu espaço.
- Sei... E que espaço é esse?
- Eu tava pensando ali, perto dos frangos assados. Os frangos rodando meio que acompanham o ritmo da música. É poético.
- Tá bom, se é isso que você quer.
- Ok... Tiamo.
- O quê?
- Eu disse tchau.
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Post by wodouvhaox Fri Dec 11, 2009 3:16 pm

Validade vencida

por Pedro Ivo Resende

- Doutor, eu ando assim, com essa coisa... Fico irritada com as pessoas. Acho que todo mundo está me perseguindo. Sinto um calor, uma lerdeza... Tenho crises de choro...
- Humm, interessante. Espera um pouco.

O médico abre sua gaveta e retira de lá uma foto do Marcos Palmeira amassando cacau com os pés.

- Eu quero que você olhe para essa foto.
- Sim, doutor.
- Melhorou?
- Um pouco.
- Ótimo, venha comigo.

O médico põe a mulher sentada na frente de uma TV e liga o videocassete. Começa um vídeo com som abafado, tão antigo quanto um anúncio de Acnase. A câmera se aproxima lentamente de um sujeito sentado à beira de uma piscina de clube.

- Olá, mulher. Meu nome é Sandro.
[ O sujeito mergulha na piscina. Corta pra ele se enxugando com uma toalha. ]
- Tenho um metro e oitenta, 25 anos, muitos pêlos e dois olhos negros.
[ Corta para o sujeito dando uma cortada no vôlei. ]
- Sou o melhor em tudo o que faço. Bem-sucedido, bonito e companheiro. As pessoas dizem que sou especial.
[ Corta para Sandro na lanchonete do clube, saindo com um sanduíche. ]
- Eu tenho um grande segredo, quer ouvir?
[ Corta para Sandro numa sauna a vapor. ]
- Apesar de viajar pelo mundo, dirigir carros esporte e me envolver com belas mulheres, eu me sinto muito sozinho. Sabe... Eu quero amar como ninguém nunca amou.
[ Corta para uma praia com o sol se pondo no horizonte. Sandro está montado num cavalo branco. ]
- Sou andarilho, cigano, inconstante, amigo, amante. Se provocado, viro bicho. Não mostro a outra face. Luto pelo que eu quero, luto por... você.
[ Sandro sai cavalgando pela praia, se afastando da câmera. O vídeo termina. ]

- E ai, como está se sentindo?
- Bem melhor, doutor.
- Certo, era o que eu desconfiava.

O médico senta na sua mesa, abre a tampa da Mont Blanc e começa a rabiscar uma receita.

- Olha, você está sofrendo uma deficiência de homem, de sexo. Eu estou receitando pra senhora um pênis, tamanho médio, duas vezes ao dia, ok?
- Mas doutor, eu já sou casada, tenho marido. Não preciso disso.
- Entendo... Ele tem mais de 65 anos, não é?
- Isso.
- Pois é, não adianta mais: validade vencida.
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